2 de março de 2010

A aflição grega

A tragédia grega termina de uma forma ou de outra, no contribuinte alemão. No futuro próximo deveremos enfrentar o de certa forma peculiar sistema previdenciário grego, para não falar do italiano. O problema é não só a acumulação de dívida dos estados membros, mas uma desigualdade econômica crescente entre eles. A União Européia não pode abandonar a Grécia aos tubarões do mercado financeiro, nem tampouco, a Espanha, Portugal, Irlanda ou Itália. Tampouco expulsá-los. Ou seja, está condenada à solidariedade. A análise é de Michael Krätke
Michael Krätke
A União Européia é uma potência econômica mundial que se comporta como se não o fosse, algo que, mais do que uma necessidade, é um erro. Porque a comunidade de estados da Zona do Euro não pode se permitir abandonar a Grécia aos tubarões dos mercados financeiros, nem tampouco a Espanha, Portugal, Irlanda ou Itália (os chamados países PIIGS). É igualmente impossível expulsar um ou todos eles da união monetária. A UE não pode pois outra coisa que defendê-las: está condenada à solidariedade. Tanto faz de que forma se organize a ajuda financeira a Atenas; quando ela chegar, o Tratado de Maastricht estará praticamente condenado à morte. Pêsames estão proibidos.

Os países da zona do euro já não seguem mais à margem, à medida que terão de defender a moeda comum contra a especulação internacional. Quando o Euro foi introduzido em 1999, estabeleceram-se três dogmas incontestáveis, a saber: a política fiscal é ineficiente, a inflação virá motivada através das reservas monetárias e os mercados, quando o permitam, corrigirão os desequilíbrios de maneira automática.

Os governos de todo o mundo retomaram a política fiscal com a crise econômica que eclodiu em 2008. Para ocultar a queda dos mercados financeiros os submergiram em dinheiro barato, embora a inflação não tenha cessado. Em consequência, no terceiro ano da crise, tampouco há algo de novo a ser contado. Refutar os dogmas não implica ter certeza quanto a uma resposta à pergunta sobre como deveria ter sido no futuro a zona do euro e, em geral, a União Européia. Seguirá ela se movendo no compasso dos mercados financeiros, que tanto lhe está agradecendo pelo seu modo de resgatá-los da crise financeira mundial que eles mesmos causaram? Os europeus querem ser algo mais que um mercado de bens e capitais com mais liberdade de movimento para os cidadãos europeus?

O que quer o superestado europeu?
Em termos econômicos, a União Européia é o espaço geográfico mais fortemente integrado do mundo. Mais de 60% das exportações alemãs terminam em países vizinhos, cuja dependência do comércio exterior da própria União Européia se pode apenas diferenciar. Apesar disso, os países da zona do euro se comportam como se pudessem seguir desenvolvendo uma política econômica, financeira e social exclusivamente nacional. Uma ilusão, um dogma, tome-se como se quiser. Não é necessário tirar do armário o fantasma de um superestado europeu para poder conceber um federalismo em escala européia que seguisse o modelos dos EUA.

De maneira alguma a União Européia pode seguir agindo como se não fosse mais que um conglomerado de economias nacionais. Todos os indícios apontam que, caso se conseguisse esvaziar o nacionalismo das cabeças de seus países-membros, a União dos 27 seria vista como aquilo que já é. É por isso que, em primeiro lugar, necessita-se de uma reordenação das finanças da União Européia. Também se necessita de um orçamento europeu maior e de um Banco Central Europeu (BCE) que não seja apequenado pelo dono do Bundersbank alemão. Trata-se de obter um instituto da política econômica européia, em vez de esconder-se sob o biombo de dogmas monetaristas. Existem as condições para a criação de um Escritório europeu único de supervisão financeira e para uma legislação única para bancos e bolsas. A City de Londres, com certeza vai se queixar e gritar. O medo de uma regulação européia é em última instância a razão para que uma libra esterlina convalescente deixe de vagar perante as portas do museu da história da moeda. E existem, acima de tudo, as condições para o fim da loucura das competências em matéria de impostos a que cada país – também a rica República federal alemã – almeja, um idílio impositivo cujo objetivo é cortejar a graça da grande banca financeira internacional.

Quem salva o Estado?
No discurso dos políticos alemães prevalece a idéia de manter o contribuinte longe do perigo. De outra maneira iria se dar conta da política que, com bilhões procedentes dos impostos, salvou banco após banco – e com isso também a suas entidades irmãs no exterior. A tragédia grega termina de uma forma ou de outra, no contribuinte alemão. Nesta ocasião, não são senão os bancos alemães que se encontram na fila do despenhadeiro, já que seguradoras como a Allianz puseram somas consideráveis em empréstimos governamentais aos países do PIIGS, que perdem seu valor rapidamente. Enquanto isso, as altas finanças internacionais se beneficiaram esplendidamente de tudo, tendo na sua liderança os bancos de investimento de Wall Street e da City de Londres, às custas da miséria financeira de vários membros da UE (só o Goldman Sachs, ao menos 300 milhões de dólares).

Dever-se ia intervir tenaz e duramente nos “assuntos internos” dos Estados da UE. Daí a sensação de uma união econômica que capitula ante a lógica da união monetária. No futuro próximo deveremos enfrentar o de certa forma peculiar sistema previdenciário grego, para não falar do italiano. Teremos de nos perguntar se cada um de nossos sócios europeus pode se permitir o luxo de formar seus exércitos nacionais com latino-americanos. A proliferação de pequenos estados na grande Europa também aparece como contratempo e obstáculos a esses planos. A política comum de empréstimos do BCE pertence à união monetária, inclusive como política comum européia, que a Comissão européia deveria cuidar. Hoje, ambas estão em falta.

O problema é, contudo, não só a acumulação de dívida dos estados membros – os EUA e o Reino Unido têm cotas de déficit mais altas (ao redor de 13%) que Grécia, Portugal ou Itália -, mas uma desigualdade econômica crescente entre eles. Não deveria tolerar-se a existência de lugares pobres, tampouco na Alemanha, país que se permite ter a capital da Europa, com a maior população vivendo na pobreza. Para se enfrentar essas desigualdades será necessária uma equiparação das finanças européias e também uma redução da autoridade impositiva dos estados nacionais.

Acabamos de descobrir o estado como salvador do capitalismo em dificuldades. Falou-se de um renascimento do estado: um exagero delicioso, já que o estado nunca desapareceu. Agora, poucos meses depois, paira no ar uma pergunta: quem salvará o estado de sua crise financeira particular? Os bancos não farão nada, e os mercados financeiros vão à caça da oportunidade do século para depenar os estados mais ricos do mundo. Os estados só podem se salvar por si mesmos, ou serem salvos por outros estados. A zona do euro oferece, como nenhum outro lugar, as condições para isso. E se essas não estiverem dadas de pronto, deveriam então forjá-las e constituir a União Européia como uma comunidade que se liberou do jogo financeiro e ideológico dos mercados financeiros.

Michael R. Krätke é membro do Conselho Editorial de SinPermiso, é professor de política econômica e direito tributário na Universidade de Amsterdã, pesquisador associado ao Instituto Internacional de História Social dessa mesma cidade e catedrático de economia política e diretor do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster, no Reino Unido.

Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Agencia carta maior.

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