17 de junho de 2011

A encruzilhada de Dilma no caso do "sigilo eterno" de atos públicos

André Barrocal
Carta Maior

BRASÍLIA – A presidenta Dilma Rousseff disse, nesta sexta-feira (16/06), que aceita sigilo eterno só para documentos públicos que ameacem a soberania, a integridade territorial ou as relações diplomáticas brasileiras, como aliás determina o projeto de lei de acesso à informação enviado pelo governo ao Congresso em 2009. Arquivos que revelam violação de direitos humanos, enfatizou a presidenta, estão fora do sigilo eterno.



Foi a primeira vez que Dilma falou sobre o assunto, depois que a polêmica surgiu logo na semana de estréia do novo modelo de relação política com aliados e congressistas estabelecido por ela com trocas dos ministros da Casa Civil e das Relações Institucionais. Pelas palavras, a presidenta tenta corrigir o rumo do debate de uma lei que, em seu conjunto, o governo acha que merecia repercussão positiva na sociedade.



O problema, do ponto de vista de Dilma, é que, nos últimos dias, o projeto foi abordado só por um ângulo negativo, centrado num “sigilo eterno geral”. Independentemente do viés do debate, porém, a presidenta está numa enrascada política que, até o fim desta sexta-feira, segundo contou a Carta Maior um auxiliar dela, Dilma ainda não tinha decidido como resolver. Uma encrenca que tem tudo para deixar mortos e feridos entre aliados da presidenta.



Dilma precisa costurar uma saída que atenda, ao mesmo tempo, forças pró e contra “sigilo eterno”, e nos dois lados existem preciosos aliados dela. No primeiro grupo, estão o presidente do Senado, José Sarney, o vice-presidente da República, Michel Temer, setores militares e setores diplomáticos. Do outro, PT, setores ligados a direitos humanos dentro e fora do governo, a Câmara dos Deputados e até o ex-presidente Lula que, sem as amarras da governabilidade, mudou de posição e defendeu um texto diferente do que mandou ao Congresso.



De acordo com o auxiliar da presidenta, Dilma está, neste momento, analisando ganhos e perdas de envolver para valer o governo na votação do projeto no Senado em defesa do sigilo, como cobram Sarney e Fernando Collor, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.



A polêmica foi escancarada pela ministra das Relações Exteriores, Ideli Salvati, com uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo publicada no dia da posse dela, 13 de junho. Ideli dizia que o governo precisava atender Sarney e Collor e ressuscitar o sigilo eterno derrotado pelos deputados. Para os senadores, “razões de Estado” justificariam o sigilo. O Brasil não deveria expor certas intimidades diplomáticas ou casos de segurança nacional.



Nos bastidores, Sarney e Collor negam que estejam agindo por medo de que venha a público algo constrangedor feito por eles como presidente. E vazam à imprensa a ideia de que defendem o interesse do Ministério das Relações Exteriores e das Forças Armadas. É uma tese que tem muitos adeptos entre os próprios senadores. Mas também há quem conteste e lance suspeitas sobre as reais motivações da dupla de ex-presidentes.



Um diplomata ligado ao ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse à Carta Maior que o Itamaraty, como instituição, está incomodado com a disseminação da idei de que comanda lobby pró-sigilo no Senado. “Nós inclusive já estávamos nos preparando para nos adaptar ao texto aprovado na Câmara”, afirmou a fonte.



Segundo esta fonte, quando Patriota participou de audiência pública na Comissão dirigida por Collor, no fim de abril, o ministro e o senador tiveram uma conversa a sós, e o assunto sequer foi mencionado.



Se lobby existe, seria de itamaratecas falando por si. Pessoas interessadas em esconder, por exemplo, situações que, segundo apurou Carta Maior, mostram que o Brasil presentou com cavalos ditadores de outros países, que houve ameaça de invasão do Uruguai caso a Frente Ampla vencesse as eleições no início dos anos 70 ou comentários de um embaixador brasileiro em Santiago sobre a vida sexual da filha de um governante.



O relator do projeto numa comissão especial e no plenário da Câmara dos Deputados, Mendes Ribeiro (PMDB-RS), também desconfia das “razões de Estado” alegadas por Sarney e Collor. Ele lembra que, apesar de alguma resistência do governo, o fim do sigilo foi aprovado pelos deputados com tranquilidade, sem o suposto bombardeio diplomático e militar observado hoje no Senado.



Para o gaúcho, que é amigo de Dilma, o problema de Sarney seria a lei em si, que dá mais transparência ao trato de informações públicas, e não um ponto específico dela. “A lei muda tudo no Judiciário, no Legislativo e no Executivo. Dar informação passa a ser uma regra, tudo vai ter que estar na internet, a transparência vai ser total. Acho que o Sarney está sendo usado por setores que não conviveriam bem com a lei”, disse Mendes Ribeiro.



O relator do projeto na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informação do Senado, Walter Pinheiro (PT-BA), que assumiu a mesma função no plenário da Casa, endossou o texto de Mendes Ribeiro. Pinheiro conta que ninguém do governo o procurou para sugerir que ressuscitasse o sigilo eterno.



Pinheiro defende que a presidenta não se intrometa na votação, como pedem Sarney e Collor, e deixe os senadores decidirem sozinhos, no voto, em plenário. Ele acredita que a Casa aprovaria o fim do sigilo eterno, já que PT, parte do PMDB de Sarney e os adversários do governo PSDB e DEM estão juntos.



Até a última quinta-feira (15/06), o PT inclinava-se pelo fim do sigilo. Mas o líder da bancada, Humberto Costa, ainda se mostrava disposto a ser "convencido" politicamente pelo Planalto a apoiar o retorno do sigilo. “Não vou patrocinar uma rebelião contra o governo”, afirmou.



Mas o fato de Costa não ter se guiado pelas manifestações de Ideli via imprensa, e querer sentar com a ministra para conhecer os motivos do Planalto, mostra que não será fácil para Dilma convencer o PT a se alinhar com Sarney, caso ela chegue à conclusão política de que precisa fazer isso.



Qualquer que seja a posição do PT no Senado, há um risco real de a bomba explodir no colo da presidenta. Se o Senado mudar o texto, o projeto voltaria para a Câmara, e lá não há clima para desistir de acabar com o sigilo eterno, segundo Mendes Ribeiro, que seria de novo relator do projeto. “A Câmara vai manter o texto original”, disse.



Na Câmara, Dilma teria ainda menos chances de contar com apoio do PT. Parte da bancada ainda não engoliu a escolha de Ideli, especialmente petistas paulistas. Num ambiente já mal humorado, contribuiu para piorá-lo mais um pouco, o gesto da presidenta de mandar uma carta ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para dar parabéns pelos 80 anos do tucano. “Foi um exagero. Nós passamos oito anos do governo Lula combatendo o Fernando Henrique, e ela faz isso?”, reclama um petista paulista.



Neste clima, é grande a chance de a presidenta pegar a caneta para sancionar a Lei de Acesso à Informação tendo de decidir se fica com Sarney, Collor e Temer e veta o fim do sigilo eterno, arriscando-se às consequências perante a opinião pública. Ou se penderá mais para o PT e sancionará o fim do sigilo, batendo de frente com seu vice e com o presidente do Congresso. “Não acredito que ela vai queirar deixar a digital dela nesse veto”, aposta o senador Walter Pinheiro.

CartaMaior

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