3 de janeiro de 2012

O ano novo, será novo de verdade?

Eric Nepomuceno
Agência Carta Maior

Espera-se que agora, em janeiro, sejam oficialmente divulgados os nomes dos sete integrantes da Comissão da Verdade. Aliás, muita gente esperava que esses nomes surgissem no dia 18 de novembro de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei aprovada pelo Congresso.
Baseada em quê, essa espera? Na pura esperança. Em nenhum momento o governo disse que a Comissão seria formada de imediato, da mesma forma que ninguém disse, oficialmente, que seus membros serão nomeados neste janeiro. Mas espera-se.

Desde o fim formal da ditadura, já lá se foi mais de um quarto de século. E nesse tempo arquivos foram abertos, livros foram escritos, revelações foram feitas, processos foram abertos na Justiça. Pensando bem, a maior parte do que será investigado pela Comissão da Verdade já teve meio caminho andado. Mas agora o que se avançar será feito ao amparo de uma lei que desafiou os setores mais recalcitrantes do país, em especial a empáfia dos militares, que continuam agindo – vale repetir: mais de um quarto de século depois – com a mesma descarada impunidade, conquistada graças a uma lei de anistia mais do que discutível. Tão discutível, aliás, que levou o país a ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos. Uma condenação que caiu no vazio, ao menos por enquanto.

A questão da memória, da verdade e da impunidade é complexa no Brasil. Tudo é um tanto retorcido, a começar pela forma em que se desenhou a Lei de Anistia. Alguém se lembra de qual era o clima no país, de como funcionavam o Congresso e os partidos políticos?

Aqui, como em outros países – basta pensar no Chile, ou na Espanha de 1976 – a transição entre ditadura e democracia foi estranha, torta. Convém não esquecer que o primeiro presidente civil foi José Sarney, uma das figuras de proa do partido político que representou, e representou bem, o apoio formal à ditadura no Congresso. A primeira eleição presidencial, realizada em 1989, depois de vinte e oito anos, deveria consagrar essa transição. Havia candidatos dignos, de trajetórias consistentes, representando diversas tendências, mas o vencedor foi Fernando Collor de Melo, um aventureiro, um farsante desequilibrado que acabou sendo extirpado da presidência em 1992.

Sim, sim, é importante recordar e reiterar: a transição rumo à democracia foi lenta e acidentada no Brasil, e a questão da memória, da verdade e da responsabilidade pelo terrorismo de Estado, com seus responsáveis sendo levados à Justiça, jamais foi prioritária. A validade de uma lei de anistia espúria – aliás, reforçada por uma decisão igualmente espúria do Supremo Tribunal Federal – é posta acima de qualquer discussão. E, por uma questão de costume, cada vez que se consegue avançar nesse terreno, na última hora surgem obstáculos, e os governos se submetem ao silêncio, a maneira mais eficaz de reassegurar a impunidade dos violadores dos direitos humanos.

Agora, estamos, uma vez mais, a ponto de avançar, e avançar talvez mais do que nunca. E já que esperamos tanto – 26 anos desde a chegada de um civil à presidência – não custa ter um pouco mais de esperança.

Terminamos 2011 à espera dos nomes que integrarão a Comissão da Verdade. O Uruguai terminou 2011 com seu comandante do Exército dizendo que ninguém será protegido: quem matou, quem torturou, quem violou, será punido. A Argentina terminou 2011 depois de realizar 21 julgamentos de 94 civis e militares processados por crimes contra a humanidade. Deles, 69 foram condenados pela primeira vez, e outros 15 foram novamente condenados, depois de terem passado por julgamentos anteriores, relacionados a outras causas, acusados de responsáveis por atos de terrorismo cometidos pelo Estado. Oito foram absolvidos. Um dos condenados foi o último ditador, o general Reynaldo Bignone. Desta vez, recebeu uma pena de 15 anos de prisão, que se somará a outras duas: uma, de 25 anos; outra, de prisão perpétua.

Bignone passou o poder a um civil eleito, o falecido presidente Raúl Alfonsín. Hoje, faz parte da lista de 269 condenados, desde 2003, por crimes contra a humanidade em seu país. Há outros 843 processados, e 449 deles aguardam julgamento.

Lá, como aqui, tudo começou com uma Comissão da Verdade. Vieram os primeiros julgamentos, ainda na presidência de Alfonsín, que acabou voltando atrás. Depois veio Carlos Menem, que refez a anistia. Depois veio Néstor Kirchner, que em 2003 retomou os processos, cancelou as anistias e acabou com a impunidade.

Ou seja, até chegar à vanguarda do estabelecimento da verdade e da punição aos responsáveis, a Argentina também teve seus tropeços.

Vale repetir: lá, como cá, tudo começou com uma Comissão da Verdade.
Já que esperamos tanto, não custa esperar um pouco mais.


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