8 de outubro de 2013

Breve reflexão sobre a desmilitarização das polícias no Brasil


A juventude brasileira protagonizou no mês de junho um boom de manifestações que obteve inegável repercussão pelo país. Tradicionais reivindicações do conjunto dos movimentos sociais ganharam força e novos elementos a elas foram incorporados, reafirmando, dessa forma, a ressonância que as manifestações de rua exercem na luta pelas necessárias transformações sociais no Brasil.

E dentre as reivindicações incorporadas às mobilizações o debate em torno da desmilitarização da Polícia Militar ganhou notório destaque. Entretanto é preciso compreender que essa bandeira já vem sendo levantada há certo tempo por alguns movimentos sociais, em especial o movimento negro, que, trazendo a problemática do genocídio da população negra, aprofunda a discussão acerca da concepção de Segurança Pública que temos por aqui.

Algumas dessas manifestações foram violentamente reprimidas pelo braço armado de nosso Estado: a Polícia Militar. Porém é fundamental, para início de qualquer avaliação acerca dessa Instituição, separá-la, sobretudo, de seus trabalhadores e trabalhadoras. Ou seja, uma questão é a Instituição Polícia Militar, corporação essa que desde o Brasil Império é forjada por uma lógica verticalizada e repressiva; já a outra, contudo, são os seus soldados que, sob condições em muitos momentos degradantes, são obrigados a cumprir ordens. E tão somente.

Infelizmente observamos ainda hoje resquícios da Ditadura Militar no Brasil. Percebemos explicitamente, em determinados setores do Estado, que muitos ainda sofrem influência desse período que sentenciou o nosso país a longos anos de violação dos direitos humanos. E na Segurança Pública de hoje isso não é diferente. A polícia que reprime com desmedida violência hoje se utiliza praticamente dos mesmos métodos que os milicos aplicavam para perseguir os "subversivos" daquela época.

E a desmilitarização visa ir de encontro a essa realidade. Pretende, acima de tudo, constituir uma polícia mais humana, que veja o cidadão não como inimigo; uma polícia que não pressione seus soldados a agirem como militares violentos e em guerra; isto é: uma polícia feita de cidadão para cidadão, sem a violenta repressão que normalmente observamos.

Diferente dos policiais civis e federais, os militares, contraditoriamente, não podem organizar-se em sindicatos. E muito menos fazer greves. Por mais que eles possuam o direito de se articular em associações, a organização sindical, junto com o eficaz instrumento de luta da classe trabalhadora, a greve, são direitos trabalhistas fundamentais cerceados a essa classe.

E dentro dessa lógica militar somasse o fato de essa classe possuir a sua própria corte, o Tribunal de Justiça Militar, que aprofunda ainda mais as incoerências dessa Instituição. Os PMs, por exemplo, ao cometerem qualquer infração são julgados pelos seus próprios pares. Ou seja, quem os julga, por mais contraditório que possa parecer, são os próprios militares. Nesse sentido o questionamento é inevitável: corporativistas que são, alguém acredita que esses julgamentos costumam ser parciais? Sendo bem pragmático: não. Talvez o fato de pouquíssimos casos virarem processos e, menos ainda, gerar justas punições explique o porquê disso tudo.

A desmilitarização não se resumi em desarmar a polícia que vai às ruas. É preciso, a partir dessa mudança, promover uma ruptura dos métodos e currículos de formação dos soldados que temos aqui, bem como retirar dessa corporação, e em especial dos policias que desenvolvem o trabalho ostensivo nas ruas, a pressão exercida pelo Estado por uma polícia de essência predominantemente repressiva.

Apesar de essa discussão focar em primeiro momento na ruptura dessa estrutura repressiva e hierarquizada da Polícia Militar, é explícito percebermos resquícios militares em outras corporações policiais de nosso país. As polícias civil e federal, por exemplo, são organizações em que notadamente observamos vestígios de autoritarismo e violência desmedida. E isso nos leva a repensar não apenas a atuação de nossa Polícia Militar, que por sinal é uma das poucas ainda militarizadas no mundo, mas, e principalmente, a concepção de Segurança Pública que necessitamos para o Brasil. 

Nesse sentido é fundamental que os movimentos sociais continuem a se debruçar em torno dessa pauta, tanto na perspectiva da luta institucional quanto, e sobretudo, das manifestações de rua. A Proposta de Emenda a Constituição número 51, a PEC 51, que visa dar autonomia aos estados no sentido da unificação das polícias em uma única corporação civil, além de contribuir para a ampliação dos diretos trabalhistas dos policiais brasileiros, será também um grande avanço que daremos para a humanização da Segurança Pública de nosso país.

Leandro Coutinho – diretor de direitos humanos da União dos Estudantes da Bahia (UEB)

Um comentário:

  1. POR FAVOR, O ESTOPIM, ME PERDOEM.
    http://pedido-de-perdao-ao-estopim.blogspot.com.br/2013/11/por-favor-o-estopim-me-perdoem.html

    ResponderExcluir