21 de fevereiro de 2015

A assustadora e inadmissível violência dos EUA e aliados no oriente médio deve ser combatida e denunciada, mas preocupe-se quando eles perderem o interesse por lá.



Por Diego Rabelo*

“A coerência é a virtude dos imbecís” - Chateaubriand

Enquanto os EUA estiverem preocupados com o oriente médio e os infinitos conflitos que a região apresenta estaremos, relativamente, estáveis na América Latina. Ocorre que, ao que parece, a tendência é que os norte-americanos aos poucos diminuam o interesse na região do ponto de vista dos recursos minerais. Frise-se aqui que, jamais irão abandonar a região tendo em vista a sua localização estratégica próxima de seus adversários militares em potencial, Rússia e China.

Entender o jogo no oriente médio não é questão das mais fáceis, pois, requer tempo, estudo, encontrar bons especialistas, entender contextos e, em certa medida, compreender valores que são muito diferentes de nós ocidentais, além de textos em outras línguas. Mas o que existe a nossa mão são programas de debates que, na sua quase totalidade, mais ajudam a desinformar e emburrecer do que aprender alguma coisa sobre o tema. Por outro lado os portais de esquerda que poderiam oferecer uma análise um pouco melhor, resume-se a jargões idiotizantes que servem apenas como panfletos para as suas militâncias.

Mas nem tudo está perdido. Com um pouco de dedicação você acha coisas boas por aí. Bons livros, bons sites e bons debates na internet e centros de cultura árabe.

Em que pese toda a limitação deste breve artigo, tentarei explicar o pouco que aprendi.

A derrubada de Kadhafi, a crise na Síria, o comportamento agressivo de Israel, o improvável avanço nas negociações para a criação de um Estado Palestino, as ameaças ao Irã e as recentes barbáries cometidas pelo Estado islâmico apresentam questões muito mais complexas e vitais do que aparentam. Trata-se de um aprofundamento das rivalidades militares que, erroneamente, se imaginavam enterradas ou adormecidas com o fim da União Soviética e a suposta ameaça comunista.

O tecido social árabe e do mundo islâmico é bastante rico e diverso, bem diferente do que a imprensa ocidental pinta nos noticiários. O Estado Islâmico, conhecido agora pela opinião pública ocidental, é o produto do que se pode chamar de um fascismo islâmico, altamente conservador e retrógrado. Combatê-lo é essencial para garantir o avanço da democracia nos países árabes e recolocar um projeto progressista na região que inclua a construção de um estado palestino e a autodeterminação dos povos.

Ocorre que o Estado Islâmico vem sendo combatido, em partes, pela coalizão proposta pelos EUA depois que a coisa fugiu completamente do controle. Nunca é demais lembrar que, os embriões do ISIS podem ser verificados na desestabilização da Líbia que levou a derrubada de Kadhafi. Quem treinou e financiou a espinha dorsal deste grupo, foi à própria Cia e seus aliados na região como a Arábia Saudita. O Estado Islâmico foi um pedaço desprendido da Al Qaeda, desautorizado até mesmo por estes e impulsionado pelos interesses ocidentais.

Os ingredientes para este tipo de coisa surgir estão muito claros para qualquer um que acompanhe os acontecimentos. Os americanos e seus aliados invadem um país, descartam os ditadores que não mais lhe servem, destroem a infraestrutura local e depois partilham as benesses com a reconstrução feita pelas empreiteiras, repartem o petróleo com as sete famílias e testam a tecnologia militar com os senhores da guerra que escoam seu ocioso para conflitos intermináveis. Em resumo, para o bem da economia norte-americana e a estabilidade econômica mundial, o mundo precisa estar metido em algum tipo de conflito.

Na Líbia o estado islâmico serviu. Na síria estava servindo até os assassinatos on line começarem a acontecer e fugir do controle. No Iraque não serve. Em resumo, amigos e inimigos são informalidades de acordo com o interesse do momento, seja ele econômico, seja ele político, seja militar, ou mesmo os três juntos e misturados.

Vale lembrar que Saddam Hussein era o grande salvador da pátria no oriente médio depois da revolução iraniana em 79 até então comandada pelo Xá Reza Pahlevi e substituído pelo aiatolá Ruhollah Khomeini. Portanto, não busquem coerências aqui.

Uma das coisas que mais me chamou atenção ao me debruçar sobre o tema foi à abordagem que se dá ao islã. O noticiário e o seu binarismo costuma classificá-lo, na melhor das hipóteses, entre sunitas e xiitas. Existe uma série de outras correntes que interpretam o profeta Maomé de maneira diferente, mas basicamente essas denominações são muito comuns aos nossos ouvidos.

Isso é um erro e, assim como os milhares de outros observadores que tentam entender o que se passa por lá, também o cometi. As correntes de opinião de esquerda no Brasil cometem este equívoco frequentemente sem sequer perceber, reproduzindo uma lógica preconceituosa e racista, além de simplista e pouco responsável. As diferenças entre os grupos são eminentemente políticas e com interesses diversos e não religiosos. Essa interpretação serve exclusivamente ao preconceito monstruosamente disseminado pelos meios de comunicação norte-americanos e sua eficaz máquina de propaganda.

Sunitas, Xiitas, Alauitas, Curdos e outros grupos se movimentam por interesses muito objetivos que passam bem longe dos dogmas religiosos e da caricatura de um barbudo com o corão nas mãos planejando ataques contra alvos civis ou militares do mundo “civilizado”. Essa classificação é designada pelo professor de direito internacional da FGV Sallem Nasser como sendo “classificações sectárias”, que existem, mas que devem ser afastadas da interpretação objetiva dos interesses jogados na região. 

Dito isso, recentemente os Estados Unidos iniciaram um ataque contra a Síria para depor bashar al Assad e romper com um eixo político denominado de resistência (Irã, Síria, Hamas e hezbollah) que se contrapõe ao projeto das grandes corporações ocidentais e Israel na região. Ao atacar a Síria, a OTAN manda um recado para o mundo, inclusive para os russos que tem como único aliado na região Assad. Também serve para conter a influência do Irã que é vista com péssimos olhos pela Arábia Saudita, aliada dos interesses americanos na região, bem como por Israel, o papagaio de pirata dos EUA.

Um rápido comentário sobre este aspecto é que o suposto programa militar iraniano para possuir a bomba atômica é falso e já está provado por “a+b” que não tem o menor fundamento, exceto a justificativa de manter as hostilidades contra os persas.

Mas você pode está se perguntando: por que tanto interesse na região?

Além da obviedade de um petróleo de excelente qualidade e fácil extração, com custos de produção infinitamente menores que o nosso pré-sal, aquela região é o coração do mundo, tanto do ponto de vista estratégico (próximo à Rússia e a China, por exemplo) bem como da tradição milenar do comércio internacional.

E o que o Brasil tem a ver com isso?

Muita gente boa sequer sabe que nós estamos historicamente envolvidos em acontecimentos muito importantes no oriente médio. Presidimos a assembleia da ONU que decidiu a criação do Estado de Israel e de um Estado palestino. Foi o chanceler brasileiro Oswaldo Aranha quem inaugurou a tradição de ser sempre o Brasil a abrir a assembleia geral da organização das nações unidas.

Além disso, é importante prestar atenção a esta pergunta, pois, reflete diretamente a maneira de enxergar a política externa brasileira e suas diferentes correntes. 

Vamos a elas:

A direita conservadora serve aos interesses do grande capital, logo, um alinhamento automático aos ditames dos estados unidos em qualquer tipo de assunto. Não cabe neste espaço caracterizá-la além desta breve abrangência.

A esquerda panfletária (seitas que não tem a menor importância para a luta de classes as quais não merecem menção, mais o PSTU, mais segmentos do psol e também correntes do próprio PT) não fazem o menor esforço para entender a complexidade do tema e resumem toda a sua argumentação às palavras de ordem: “fora isso”, “fora aquilo”, “contra isso” ou “contra aquilo”. Fazem isso porque o seu único objetivo é demarcar uma posição política para segurar ou ganhar novos adeptos, tendo em vista que o tema é bastante apelativo e atraente para militantes jovens, médios e honestos. Mas é só. Pouco somam na luta internacionalista pela democratização do mundo árabe ou mesmo pela criação de um estado palestino.

Uma pequena parte sobre isso é que, a fraseologia esquerdista chega ao ponto de falar em “classe operária” árabe.

Que absurdo! Que classe operária, cara pálida?

As organizações políticas, mesmo as de esquerda no mundo árabe, se caracterizam de forma completamente distinta daquelas que nós, marxistas ocidentais, aprendemos. Enfim, digo teoria marxista, para quem aprendeu ou se esforçou para tal, pois, tem muito papagaio que nunca passou os olhos na teoria marxista, apesar de citá-la com frequência.

Dito isso, ocorre que a chancelaria brasileira é um órgão de altíssima tradição nas relações internacionais e os seus quadros são, de longe, os melhores do ponto de vista político do país.(Com destaque para o baita quadro Celso Amorim, até pouco tempo atrás ministro da defesa de Dilma). Em 2010, o Brasil jogou um papel extremamente relevante junto a Turquia, para tentar equacionar a questão do programa nuclear iraniano. Os meios de comunicação caíram matando, dizendo que nós queríamos aproximação com ditadores como Ahmadinejad e toda aquela conversa mole. Jogavam na desinformação não apenas do público em geral, mas também da nossa própria “vanguarda” que é panfletária demais para entender duas frases que não tenham palavras-de-ordem.

A diplomacia brasileira, junto com os turcos colocou a argumentação dos EUA no “bolso”, propondo um acordo prático e factível para que o Irã fizesse o enriquecimento de urânio fora das suas fronteiras e com o acompanhamento da Agência Internacional de Energia Atômica. Os Estados Unidos ficaram enfurecidos com a posição política brasileira na ONU, pois, os deixavam nus diante de um argumento tão óbvio. Obviamente que a proposta foi rechaçada por EUA e Europa, mas não pelo seu conteúdo resolutivo e sim pela “audácia” brasileira de se meter em assuntos que “não lhe dizem respeito”. “Quem esses ‘anões’ diplomáticos pensam que são?” – pensou o tio Sam.

Anos mais tarde, um sub-sub-sub-sub do sub alguma coisa da chancelaria israelense, iria reproduzir isso em palavras por conta da posição do Brasil com relação à brutalidade dos ataques israelenses a Gaza.

Em resumo, quem quer ser grande joga no oriente médio e Lula, com todos os seus defeitos, teve uma habilidade raríssima de se ver, ao entender isso e posicionar o Brasil que, cedo ou tarde, irá ocupar um papel de maior destaque na política internacional.

A conclusão sobre isto é que quando se voltar a discutir este tema, com todos estes atores, a sério, não tenham dúvidas de que será a partir desta formulação turco-brasileira o ponto de partida para as negociações.

Mas aqui há uma questão chave e absolutamente nova em todo este quadro que pintei ao longo do texto. O crescente desinteresse dos estados unidos na região se dá por uma série de motivos. Uns falam dos EUA como uma potência decadente, outros falam que o governo Obama é fraco e não consegue impor os interesses norte-americanos na região e outros falam de uma revolução energética que está em curso nos Estados Unidos com a descoberta do gás de xisto.

Apesar de ser um teórico da conspiração, eu costumo ter prudência com essas análises catastróficas, principalmente quando se tratam de atores tão poderosos quanto os EUA. Mas o aspecto que trata do xisto betuminoso é realmente muito importante. Alguns analistas dizem que em apenas algumas décadas os EUA se tornarão auto-suficientes em energia, não dependendo mais dos caros acordos e relações que mantém no oriente médio. Isso seria um impulso monstruoso para reoxigenar a cambaleante hegemonia ianque no mundo. Porém, o xisto precisa de quantidades vultuosas de água para a sua extração, além de não se saber o real risco de contaminação das bacias sedimentares dos aquíferos.

E eu te pergunto: de onde você acha que eles vão tirar toda essa água que precisam para o seu xisto?

Aquífero Guarani

Pense bem, você deve saber a resposta. É só lembrar do título do texto.

A desestabilização da América Latina como na Argentina, no Paraguai, no Equador, na Venezuela e, inclusive, no Brasil teria alguma coisa a ver com isso?

Como eu disse, reconheço o meu talento pra teórico da conspiração, mas é porque talvez existam mais conspirações do que teorias quando falamos em política externa.


*Teórico da conspiração, Pinkfloydiano, são-paulino e colunista semanal da Spnet. 

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