5 de fevereiro de 2015

Constituinte, democracia e insurgência

*Wanderson Pimenta



"A dogmática jurídica é muito limitada frente à insurgência jurídica. E com o processo popular brasileiro estamos ante um direito insurgente." (Jesus Antonio de La Torre Rangel)

Existem alguns marcos que precisam ser observados. As manifestações de junho de 2103, quando milhões de jovens, nas mais diversas cidades brasileiras, saíram às ruas em luta por mais direitos, mesmo que de forma difusa e genérica. As manifestações de julho, organizadas pelas centrais sindicais, ainda que apresentadas pela mídia como um fracasso, que conseguiu mobilizar milhares de trabalhadores e trabalhadoras em todo o país. Ademais, existia no Brasil uma efervescência acima da média, que se deu no aumento do número de greves, bem como na duração das mesmas, e mobilizações autônomas dentro dos sindicatos, em que muitas vezes a base forçou às direções a irem além dos pactos ordeiros.


Todavia, é quase consensual a idéia de que o aumento das lutas sociais, como os enfrentamentos dos Sem Teto em São Paulo, por exemplo, não decorre de uma piora no nível de vida da população, mas sim, de um aumento das contradições, do caos nas grandes cidades etc. Lembrando que mesmo antes de junho, manifestações de jovens ocorreram em diversas capitais em defesa da redução das tarifas de transporte, como Goiânia, Natal e Porto Alegre, reunindo milhares.

Democracia

Estamos diante de uma democracia formal. Não foi por acaso que um morador de rua do Rio de Janeiro, Rafael Braga, foi preso durante as manifestações e condenado por portar duas garrafas plástica contendo água sanitária e desinfetante, sendo o único do período que permanece encarcerado; tem se transformado uma infeliz rotina os noticiários de morte e desaparecimento de jovens, negros e moradores das periferias. A democracia formal brasileira permite que grandes empresas elejam os seus representantes para os espaços de poder, transformando o Congresso Nacional próximo no mais conservador desde 1964. A democracia formal brasileira permite que vários meios de comunicação destruam cotidianamente a identidade, diversidade e autoestima do povo brasileiro. Tentam passar a ideia de que a esquerda tem um "projeto de poder", enquanto eles tem um "projeto de país", como se o povo jamais pudesse sonhar com o poder, este local sujo, inóspito, inacessível, aberto apenas às mentes ilustres de técnicos, especialistas, de preferência aqueles e aquelas com formação no exterior. Nesse sentido, enquanto "os de cima" permanecem usufruindo de todas as benesses da democracia formal brasileira, "os de baixo" estão vigilantes e não mais dispostos a aceitar que "as coisas sempre foram assim, portanto, deverão continuar da mesma forma e não tem jeito". As elites econômicas saíram do armário, fizeram campanha, elegeram deputados e deputadas, senadores e senadoras, além de governadores. Perderam as eleições presidenciais mas continuam pautando o Congresso e a mídia. Derrotaram na Câmara o simples decreto da “Política Nacional de Participação Social”. Desacreditam no resultado das urnas, pedem recontagem, auditoria e impeachment. Setores mais atrasados defendem até a intervenção militar. 

Diante desse cenário, precisamos discutir a ampliação da participação popular. Precisamos dizer que não bastam conselhos, estes devem ser de fato populares e deliberativos! Contra a democracia dos gabinetes, a democracia das ruas! 

Assim, acredito que a bandeira da Constituinte Exclusiva pela Reforma Política, precedida de um Plebiscito Popular, precisa ser empunhada por todas as organizações de esquerda. Não bastam documentos, resoluções e retórica: é preciso mobilização e rua. Estamos diante de um período de rupturas, em que a ordem não consegue amarrar os conflitos. Em que os dogmas, de tão ultrapassados, já não fazem mais sentido. É nessa toada que defendemos um direito insurgente, que nasce das ruas, da participação popular, das barricadas, das ocupações, dos pequenos e médios comícios relâmpagos de agitação e propaganda. A insurgência jurídica que ajuda a modelar uma nova ordem social, pautada em compromissos livremente consentidos!

E que o nosso próximo junho seja um outubro!

*Advogado e Membro do Diretório Estadual do PT - Bahia

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