6 de dezembro de 2015

Organizando posso desorganizar: Ninguém Foge da Lama Tóxica da SAMARCO




Caio Neves Teixeira*

Após dez longas horas de estrada, me estabeleço em Mariana-MG para compor e ajudar na comunicação da brigada de solidariedade promovida pela Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, a equipe era composta também por uma Psicóloga. O objetivo inicial era realizar um diagnóstico de saúde e da real situação do meio ambiente e das populações violadas pelo desastre do rompimento da barragem de rejeitos, a Fundão da mineradora SAMARCO.


No primeiro dia visitamos os hotéis em que estava alojada parte da população de Bento Rodrigues, distrito de Mariana que foi completamente soterrado pela lama e sumiu do mapa. A população de Bento era composta em sua maioria por pequenos agricultores familiares, que para além de perderem seus bens materiais, perderam também seus bens simbólicos, como álbuns de família, troféus, entre outros. Quando chegamos a um dos hotéis, os atingidos já conversavam em roda, na qual só fizemos pedir permissão para sentar e ouvir os depoimentos.

Escutamos diversos relatos, entre eles: reuniões com a SAMARCO e a população de Bento em 2013 sobre algumas rachaduras na barragem do Fundão em que engenheiros da empresa atestavam que não haveria risco de rompimento da barragem; depoimentos de idosos, diabéticos, hipertensos comendo a mesma marmita que todo mundo, sem nenhum cuidado com as diferentes dietas de diferentes organismos; relato de trabalhador terceirizado da SAMARCO dizendo que soube no rádio interno que a barragem havia rompido e que tentou contato com a população de Bento através do celular pessoal e não obteve sucesso. Depoimento de atingido, desabrigado e trabalhador terceirizado da Vale, trabalhando em regime de plantão e sem conseguir dormir no hotel por causa da dinâmica de acomodação da população nos hotéis.

No final da tarde nos incorporamos à reunião do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) com famílias de atingidos e desaparecidos do desastre. Depoimentos fortes e emocionantes. As famílias estão com dificuldades de acesso a informações básicas dos desaparecidos, reconhecimento dos mortos, resgate de objetos pessoais dos trabalhadores terceirizados mortos entre outras violações de direitos humanos. A brigada de solidariedade da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares acredita no MAB como movimento social capaz de organizar a população afetada, e fazer o enfrentamento com o Estado e a SAMARCO por sua experiência e método. O MAB vem sendo criminalizado, perseguido, infiltrado e espionado pela SAMARCO justamente por sua capacidade de organização, defesa, assistência aos atingidos e enfrentamento a SAMARCO e ao Estado. Saindo dessa reunião tínhamos a certeza que a brigada de solidariedade deveria fazer um trabalho em conjunto com o MAB, fortalecendo assim esse movimento.

No segundo dia fomos a Barra Longa cidade que fica a 60 km de Mariana e foi atingida pelo desastre. Ainda não tínhamos contato com a lama, mas na entrada de Barra Longa isso aconteceu em uma ponte que liga a estrada à cidade e por onde a lama passou. Fomos recebidos pelo MAB e encaminhados para almoçar em uma casa alugada pela família que era dona de uma pousada atingida pela lama. Depoimentos de que haviam ligado para representantes da empresa perguntando se a lama chegaria a Barra Longa e os mesmos disseram que não chegaria; que a lama e a SAMARCO levaram para além dos bens materiais, levaram os sonhos da família, deixando-a, inclusive sem assistência médica e psicológica; reclamava-se também da ocupação da cidade pela SAMARCO através do seu poder econômico, com grandes carros, máquinas e funcionários sem muita eficácia e atenção a população.

Após o almoço fomos encaminhados pelo MAB ao posto de saúde municipal, onde colhemos depoimentos da secretaria municipal de saúde, da enfermeira e da médica do município onde se relatava após o desastre um aborto de uma gravida de oito meses, dermatoses, diarreias, dores de cabeça, doenças respiratórias, insuficiência de profissionais de saúde no município, assim como falta de assistência aos profissionais de saúde que estão trabalhando no município e assistência insuficiente dos profissionais de saúde cedidos pela SAMARCO. Saindo do posto de saúde fomos visitar a praça da cidade que fica na beira do rio e foi coberta e destruída completamente pela lama, pisamos na lama, ficamos trinta minutos observando e perplexos com aquela realidade, eu passei mal, senti dor de cabeça e dificuldade de respirar, me senti em uma “Manguetown” tóxica.

A SAMARCO domina a cena do crime, controla o credenciamento das famílias atingidas, invadindo a sua privacidade, acessando CPF, RG e outros dados, controla o reconhecimento dos corpos, aluguel das casas, acomodação em hotéis. Ouvimos relatos de tentativas da SAMARCO de fazer negociações individuais, cooptação de lideranças em troca de benefícios individuais, criminalização dos movimentos sociais, ou seja, utiliza as táticas mais deploráveis e manipula toda e qualquer ação a ser tomada com os atingidos, a empresa se confunde diversas vezes com o Estado, seja exercendo o papel do Executivo, Legislativo ou Judiciário, Federal, Estadual e Municipal. O Estado brasileiro está ausente. Chega ao ponto do Estado montar uma base dentro da SAMARCO ao invés de estar atendendo a população, e de declarações e notícias feitas pelos governos afirmando que a lama não era tóxica. Lamentável a atuação de todas as esferas do Estado brasileiro nesse desastre. Os tentáculos capitalistas internacional da SAMARCO invadem os três poderes brasileiros e os interesses da empresa estão acima da população e da soberania do Estado brasileiro.

Não foi acidente! Existe um relatório produzido pelo Instituto Prístino em outubro de 2013 e anexado ao parecer do Ministério Público de Minas Gerais em relação ao pedido de renovação da licença de operação da barragem que já alertava sobre os riscos de rompimento da barragem Fundão. As direções da SAMARCO, da Vale e da BHP Billiton precisam ser responsabilizadas criminalmente pelo desastre!

A Samarco Mineração S.A é uma “joint-venture” pertencente a Vale S.A e a anglo-australiana BHP Billiton, cada uma com 50% de participação. As duas empresas acionárias da SAMARCO alegam que a SAMARCO tem sua própria direção e atua “independente” dos seus acionários, assim a Vale e a BHP Billiton se isentam das responsabilidades do desastre. Para refrescar um pouco a nossa memória a Justiça Federal chegou a reconhecer fraude na privatização da Vale que aconteceu em 1997 e entre os réus estavam a União, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Eles foram acusados de subvalorizar a companhia na época da sua venda.

Ressaltamos que após esses trinta dias do desastre ambiental, nem um cálculo pode mensurar o tamanho perante as comunidades e o meio ambiente atingido. Metais pesados contidos na lama irão para a cadeia alimentar através da fauna, flora, solo e águas atingidas. Acreditamos que só a organização popular pode fazer frente ao capital que destrói coisas belas. Cabe aos movimentos sociais e instituições progressistas juntos ao MAB fazerem trabalho de base e assim desorganizar esse processo extrativista das mineradoras no Brasil, que para além de um modelo de extração de minérios insustentável ambientalmente, assassina vidas e desafia a soberania do Estado brasileiro. O horizonte de um novo dia é que ao final desse processo as famílias e o meio ambiente sejam justamente reparados e que a Vale seja re-estatizada!

*Caio Neves Teixeira é militante do Coletivo Nacional de Juventude O Estopim! e fez parte da brigada de solidariedade da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares atuando na comunicação.

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