23 de fevereiro de 2018

NÓS E A CABEÇA



NÓS E A CABEÇA

*João Leonardo da Silva Rocha

Capítulo  VI –

Série “Pérolas da Literatura”

Com este título e revelada sua autoria, “Nós e a Cabeça” foi publicada na página 6 de “O GRASNO”, edição de setembro de 1964, ano 3, nº 5, veículo cognominado  “A Voz do Águia”, produzido na “Casa do Estudante do Centro Acadêmico XI de Agosto”.

Eis abaixo seu conteúdo, reproduzido do original:

“NÓS  E  A  CABEÇA” – O bom militar vive de farda. Mesmo de pijama é um fardado.

De pé ou sentado, na sala de visita ou na latrina, há uma farda mental abotoando sua vida.

O pensamento submete-se também a essa milimetragem psico-somática como o corpo ao manequim.

Voz de comando no ouvido e na cabeça, estão eles aí com a rédeas do país nas mãos. Aliás se rédeas lhes coubera, haveria de ser na outra parte do corpo – menos nas mãos. Coerente com esse princípio o “proclamador” fazia questão se escrevesse ao pé de sua estátua equestre: “Atenção, Deodoro é o de cima”.

De militar a tiracolo, portanto o brasileiro está feliz.  A tiracolo, atravessado na garganta – a tradução pouco importa; a fardorréia é que é farto. Farda nos IAPês, nos executivos, farda nas autarquias, farda nas empresas estatais, para-estatais, anti-estatais, farda no Banco do Brasil. Farda nas mensagens ao Congresso, farda no pedido de aumento de 100% para a farda, farda na declaração de que não vai ter aumento pra gente. Farda nos 30% a mais no Impôsto de Renda. Farda até pra gente abrir as pernas pro capital estrangeiro.

Com os impostos, tudo subiu. E como lembrança até agora ainda não paga impôsto, é bom lembrar que todo Jardim Europa, de cadilaque em punho – a fina flor da “democracia motorizada” – marchou com Deus pela Liberdade:  por essa liberdade. A marcha dos homens sem família interessados na família da gente.

Que românticos. Tão românticos que os homens da farda ficaram com a parte do leão.

Não admira se vier nova “marcha” no país dos pelotões. Apenas, por enquanto, os “homens de bem” acham mais prudente serem bonzinhos. Piscina de Paulistano é pois a melhor receita para doente de porre e de dor de cotovelo.

Eis aí nossa eterna dicotomia; industriais descontentes, militares contentíssimos, e resto … o resto não existe. Deus só dividiu o mundo em direita com farda e direita sem farda.

Doravante o brasileiro não precisará mais olhar pra cima para constatar que “nosso céu tem mais estrelas”. Aqui na terra mesmo há verdadeiras constelações luzindo e reluzindo à força de bom-bril e do Tesouro Nacional no ombro gorducho do oficialato crescente.

Enquanto os fatos tomarem sempre êsse rumo e os míseros pensantes não me convencerem do contrário, eu continuarei defendendo a tese de que cabeça só foi feita pra cabide de quepe.”  – 

*Advogado e militante do Movimento de Libertação Popular (Molipo) assassinado pela ditadura em 4 de novembro de 1975 aos 36 anos.


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