Extraído do site do escritor Wladimir Pomar
As classes trabalhadoras de diferentes povos travam lutas
contra o capitalismo há mais de 300 anos. Acumularam uma experiência
considerável de erros e acertos, derrotas e vitórias, recuos e avanços. A
rigor, mais erros, derrotas e recuos do que acertos, vitórias e avanços. O que
não deve nos desanimar. Afinal, para substituir o feudalismo e se impor como
forma de produção dominante, a burguesia levou bem mais tempo do que isso, na
maioria das vezes sendo empurrada, para avançar em seu desenvolvimento, pelas
lutas das próprias classes trabalhadoras que oprimia.
Na história, a burguesia nasceu antes da classe trabalhadora
assalariada. Mas só cresceu e desenvolveu o que conhecemos como capitalismo
quando os camponeses foram expulsos da terra, perderam tudo que tinham, e se
transformaram numa massa de pobres livres que só tinham como propriedade sua
força de trabalho. Portanto, o capitalismo não é uma coisa. É a relação
econômica e social, mediada pelo salário, entre os donos de capital, a
burguesia, e os donos de força de trabalho, os trabalhadores livres. Estes
precisam vender sua força de trabalho para obter esse salário com o qual
subsistem. E a burguesia precisa do trabalhador porque é do uso da força de
trabalho assalariada que arranca um valor que acrescenta ao capital investido
na produção, realizando um processo contínuo de acumulação capitalista.
Essa é uma relação contraditória em todos os aspectos, cuja
história está coalhada de lutas, choques e revoltas dos trabalhadores para
reduzir as jornadas de trabalho, impedir o trabalho de crianças, travar o uso
de máquinas que substituíam o trabalho humano, conquistar o direito de
associação e formação de sindicatos, assim como os direitos de greve, de voto e
de formar partido político próprio. Um dos aspectos mais estranhos dessa
contradição consiste em que a classe dos assalariados só obtem força social e
política para lutar se o capitalismo se desenvolveu e empregou grandes massas
de trabalhadores.
Um capitalismo pouco desenvolvido, mirrado, fragmenta a
classe trabalhadora e a dispersa num exército industrial de reserva amorfo e
desvalido, incapaz de travar sequer a luta pelo direito ao trabalho. Por outro
lado, um capitalismo desenvolvido tende a chegar ao limite do absurdo, em que
acumula um capital desmedido nas mãos de poucos e tende a usar cada vez mais
equipamentos tecnológicos, que elevam a produtividade milhares de vezes e
substituem a força de trabalho humano. Portanto, também cria um imenso exército
industrial de reserva e as mesmas dificuldades para os trabalhadores. Em ambos
os casos, a solução consiste em acabar com a propriedade dos meios de produção,
com a exploração e a opressão de classe, e com a distribuição iníqua e
extremamente desigual da renda.
No entanto, mesmo que a luta dos trabalhadores consiga impor
essa solução à burguesia, os resultados não serão os mesmos. No caso de um
capitalismo pouco desenvolvido, ou seja, com os meios de produção
tecnologicamente atrasados e com uma renda social relativamente baixa, a
capacidade de produção tende a continuar insuficiente e a distribuição da
renda, mesmo sendo igualitária, tende a continuar baixa. O melhor que se
conseguirá é que não haverá ricos e pobres. Todos serão pobres, como mostraram
as experiências socialistas do passado. No final, para desenvolver as forças
produtivas e a renda, o Estado terá que apelar para a capacidade burguesa de
gerar e acumular capital.
No caso de um capitalismo desenvolvido, a nova sociedade
pode se apropriar de tudo de avançado que o desenvolvimento capitalista anterior
criou, em termos de meios de produção, ciências, tecnologias, riqueza acumulada
e cultura. A transformação da propriedade privada dos meios de produção em
propriedade social, a liquidação das relações de produção exploradoras e
opressivas, e uma distribuição de renda com equidade social se darão em
condições muito diferentes daquelas presentes numa sociedade de capitalismo
pouco desenvolvido.
No caso do Brasil, temos uma combinação embaraçosa de
capitalismo mediamente desenvolvido, entravado pelo domínio de monopólios
estrangeiros, com uma nova classe trabalhadora em crescimento, com peso
relativamente pequeno de assalariados industriais. Essa nova classe
trabalhadora não tem experiência de lutas e mobilizações de classe, em descenso
desde a segunda metade dos anos 1980. Além disso, a presença de um governo de
coalizão, em que uma parte da esquerda tem papel destacado, torna ainda mais
complexas as contradições para a solução de superação do capitalismo.
Nessas condições, no Brasil a questão central imediata passa
a ser a construção de uma classe trabalhadora assalariada quantitativamente
forte, capaz de se tornar uma força social suficientemente poderosa para travar
a luta de superação do capitalismo. Em outras palavras, no mínimo deveremos
torcer para que o capitalismo se desenvolva, já que ele é o único que,
desenvolvendo-se, pode desenvolver a classe dos trabalhadores assalariados. É
lógico que essa contradição é embaraçosa, principalmente porque há gente que
pensa que o desenvolvimento capitalista significa amainar a luta de classes e
subordinar-se às políticas burguesas.
Além disso, ela se torna ainda mais embaraçosa porque, se o
capitalismo atualmente predominante no Brasil se desenvolver por seu livre
arbítrio, ele não vai criar mais classe trabalhadora assalariada, vai
reduzi-la, substituindo-a por máquinas e inovações tecnológicas. O resultado é
que a esquerda, principalmente a que está no governo e no parlamento, não pode
ficar alheia ao atual desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Ao mesmo tempo
em que não deve criar empecilhos à instalação de fábricas industriais modernas,
com poucos postos de trabalho, deve se esforçar pelo desenvolvimento de
indústrias intensivas em trabalho, capazes de multiplicar o número de
trabalhadores empregados.
Já a esquerda que não tem responsabilidades de governo terá
que se empenhar, muito mais seriamente do que tem feito, para que a classe de
trabalhadores assalariados em formação ganhe consciência do processo de
exploração a que está submetida e passe a lutar por seus direitos, sejam os
econômicos e sociais, sejam os políticos, a única forma de lhe dar consistência
e força socialmente ativa na sociedade brasileira.
Isso não é muito diferente do processo em que a ditadura
militar implantou a indústria automobilística no ABC paulista, com
trabalhadores migrantes das áreas rurais do mordeste, que aprenderam a lutar
nas condições de repressão e emergiram como os atores que contribuíram
decisivamente para dar fim ao regime militar ditatorial. Agora, um
desenvolvimento capitalista estimulado pelos governos de coalizão da esquerda
terá que contar com os trabalhadores que fazem parte do exército industrial de
reserva das favelas e periferias urbanas, que vão aprender a lutar em condições
de democracia e de combate contra as tentativas de criminalização dos
movimentos sociais, podendo emergir como atores que contribuam decisivamente
para as mudanças que transformem o capitalismo em outro tipo de sociedade.
Contradições puras, que só podem ser resolvidas pela luta de classes.
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