12 de dezembro de 2009

CONVITE CUT: SEMINÁRIO DA JUVENTUDE TRABALHADORA NO SISAL

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Moradia Estudantil: Um Direito à Cidade



Frederico Perez Rodrigues Lima, Wanderson Pimenta, Efson Batista Lima e Glória Cecília Figueiredo[1].
Moradia Estudantil: um Direito à Cidade
Segundo estimativa da Associação de Casas de Estudantes da Bahia (ACEB), existem em Salvador cerca de 50 (cinqüenta) residências estudantis, que abrigam em torno de 1.000 (mil) estudantes, na sua maior parte universitários, mas também secundaristas, em imóveis mantidos pelas Universidades ou Prefeituras Municipais[2]. Este contingente populacional é formado por estudantes, originários de famílias de baixa renda, sendo imigrantes oriundos de outros municípios ou estados e que precisam exercer seus direitos à moradia e à cidade[3] no período dedicado às suas formações.
Tanto o percentual de concluintes em relação ao número de alunos que ingressaram quatro anos antes nas Instituições de Ensino Superior (IES) do Brasil, que é de 58,1% (MEC/INEP, 2009), como o dado de que as despesas com Financiamento Estudantil correspondem ao menor percentual (1,7%), dentre os tipos de despesas efetuados pelas Instituições Federais de Ensino Superior (INEP, 2009), indicam os entraves de uma ampla democratização do acesso à universidade, sendo que as necessidades por moradia estudantil participam de tal problemática.
Neste cenário, a demanda por residências estudantis é comumente tratada em uma abordagem de reivindicação por Políticas Públicas de Assistência Estudantil colocada principalmente pelo Movimento Estudantil Universitário[4], mas é pouco problematizada ou compreendida dentro do debate do acesso aos direitos à moradia digna e à cidade, sendo crucial articular essas dimensões, na perspectiva de avançar na promoção dos direitos sociais deste segmento - jovens estudantes de baixa renda - e dos grupos sociais que o constituem, atualizando a premência da democratização do acesso à Universidade, já que há uma problemática das residências estudantis marcadas pela ocorrência de déficit habitacional básico[5] e inadequação de domicílios urbanos[6], pra ficar na categorização difundida pela Fundação João Pinheiro (2006).
A ocorrência de déficit por incremento de estoque é evidenciada pela parcela significativa dos estudantes que demandam moradia estudantil e que não estão atendidos, a julgar pelos dados da Associação Nacional dos Dirigentes das IFES (Andifes), que mostram que apenas 10,1% do total de alunos dessas instituições são beneficiados por algum programa de assistência estudantil, apesar de 44,3% dos estudantes das mesmas pertencerem às denominadas classes C, D e E (UNE, 2006). Já a inadequação de domicílios se manifesta nas inúmeras situações de adensamento excessivo, alto grau de depreciação dos imóveis e carência de infra-estrutura, muito comuns no cotidiano dos estudantes residentes (a esse respeito ver matéria “Teto desaba na residência universitária da UFBA” no sitehttp://www.aratuonline.com.br/2009/videos/1933).
Considerando o exposto até aqui, a demanda por moradia estudantil deve, por um lado, ser entendida na sua diferença dentro do quadro das necessidades habitacionais e de direitos sociais, saindo da recorrente e despolitizada generalização feitas no uso da categoria déficit habitacional, e de suas variantes, que invisibilizam as especificidades dos diferentes grupos sociais. E por outro deve ser colocada como reivindicação por uma inserção territorial em espaços qualificados da cidade, de forma a especificar o direito à cidade ou o acesso à centralidade reivindicado pelos estudantes em situação de vulnerabilidade, tais como, a implantação de residências em áreas centrais, próximas às unidades de ensino superior, com oferta dos serviços, infra-estruturas e equipamentos necessários à garantia da vida e do processo de formação desses agentes, dentre os quais destacamos redes de internet, livrarias, restaurantes populares, equipamentos de saúde, espaços culturais e de lazer.
Um aspecto crucial que deve ser ressaltado é que as residências estudantis por abrigarem diversas coletividades conviventes que instituem usos e ocupações compartilhados e comunais, possibilitam a constituição de apropriações coletivas do espaço, através de vivências de novas práticas, somente introduzidas pela diversidade de experiências, que essa condição permite. Muitas vezes é a existência de residências estudantis que impede a completa dominação e segregação socioespacial pelos agentes hegemônicos, como por exemplo, as residências da UFBA localizadas no Canela e no Corredor da Vitória em Salvador, que imprimem assim “contra-racionalidades” (SANTOS, 2008) alternativas. Diante disso, assumir a perspectiva de fortalecimento da formação e apropriação de espaços coletivos, que as residências propiciam, significa ir de encontro com a solução da bolsa-moradia (recurso pra aluguel individual), que já vem sendo praticada por algumas universidades públicas, a exemplo da UFBA[7], seja porque tal solução submete a demanda por moradia estudantil aos constrangimentos e interesses do mercado imobiliário, que preconizam o afastamento dos estudantes das centralidades valorizadas, além de desresponsabilizar o Estado com custos não incluídos no valor de aluguel (condomínio, tarifa de energia elétrica, alimentação) que passam a ser dos estudantes, seja porque propõe uma distribuição fragmentada dos estudantes no território, revelando uma estratégia segregacionista.
A perspectiva transformadora colocada acima, ganha força a partir do reconhecimento das contestações e reivindicações por moradia estudantil, entendidas enquanto demandas específicas de grupos sociais vulneráveis. As particularidades de tais demandas, longe de inviabilizar a constituição de identidades políticas mais amplas, se colocam enquanto unidades básicas da ação social, fazendo emergir atores emancipatórios e por trás das quais encontram-se associações e afetos mais amplos, que as contaminam e transformam na expressão de tendências muito mais gerais (LACLAU, 2008, p. 27 e 28). Assim coloca-se um sentido diferenciado de democracia, através das lutas sociopolíticas dos segmentos populares e excluídos e da explicitação dos conflitos que elas encerram, com a perspectiva não apenas de garantia de direitos, mas também de criação de direitos novos (CHAUÍ, 2005, p. 23 a 30).
Imbuídos deste sentido torna-se fundamental dialogar com a plataforma do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU)[8], construindo o entendimento que a demanda por moradia estudantil integra a luta geral pelo direito à cidade, sendo que a manutenção das residências atuais e a implantação de novas residências requer a utilização dos instrumentos de democratização da terra urbanizada, de captação de mais valia urbana e de democratização da gestão, disponibilizados pelo Estatuto da Cidade. A partir deste diálogo a ACEB reivindica dos Poderes Públicos as seguintes ações:
§ Demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social nos imóveis que abrigam as atuais residências, no sentido de inibir a pressão do mercado imobiliário pelas suas desocupações, bem como em imóveis vagos da área central de Salvador, que não estão cumprindo sua função social, para implantação de novas residências estudantis, com aquisição dos mesmos, através da execução de dívidas tributárias, incidentes sobre os mesmos, com a utilização do instrumento d’ação em pagamento.
§ Disponibilização de imóveis públicos ociosos e ou sem destinação para implantação de novas residências estudantis, tais como diversos imóveis do IPAC no Pelourinho e do patrimônio imobiliário da União.
§ Criação no âmbito dos Governos Federal e Estadual de Programas de investimentos específicos de Habitação de Interesse Social, voltados à construção de novas residências e melhorias das atuais, sendo que os recursos disponibilizados deverão ser executados via Prefeituras ou Governo do Estado, com controle social pelas organizações dos estudantes.
§ Participação das representações dos estudantes residentes na gestão democrática e no controle social das residências.
§ Assento das representações dos estudantes residentes nos Conselhos municipal e estadual das cidades ou similares.
§ Incorporação das demandas específicas por moradia estudantil no Plano Municipal de Habitação.
Referências Bibliográficas
ARATUONLINE. Teto desaba na residência universitária da UFBA. Matéria publicada e disponível no site <http://www.aratuonline.com.br/2009/videos/1933,teto-desaba-na-residencia-universitaria-da-ufba.html>. Acesso em 27/out/2009.
CHAUÍ, Marilena. Considerações sobre a democracia e os obstáculos à sua concretização. In: TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves (Org.). Os sentidos da Democracia e da Participação. São Paulo: Instituto Pólis, 2005.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estatística e Informações. Déficit Habitacional no Brasil: Municípios Selecionados e Microrregiões Geográficas. 2. ed. Brasília, 2006.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Despesa Liquidada do Governo Federal em Educação, segundo a Natureza de Despesa - Brasil – 2006. Disponível em <http://www.inep.gov.br/estatisticas/gastoseducacao/despesas_publicas/P.N._federal.htm>. Consulta em 27/out/2009.
Ministério da Educação (MEC) - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Resumo Técnico: Censo da Educação Superior 2007 - Tabela 14. Percentual do Número de Concluintes em relação ao Número de alunos que ingressaram quatro anos antes - 2002-2007. Brasília, 2009.
LACLAU, Ernesto. Debates y combates: por un nuevo horizonte de La política. 1ª Ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2008.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2008.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4 ed., 1. reimp., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
União Nacional dos Estudantes (UNE). UNE pressiona e reserva 10% do orçamento da educação para assistência estudantil. Matéria publicada no site da UNE em 25/nov/2006. Disponível em <http://www.une.org.br/>. Consulta em 27/out/2009.
[1] Frederico, Wanderson e Efson são coordenadores da Associação de Casas de Estudantes da Bahia (ACEB). Glória Cecília é Urbanista graduada na UNEB e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA.
[2] Atualmente a ACEB está realizando pesquisa para identificação dessas residências, com caracterização das suas instalações e das condições dos estudantes que vivem nas mesmas, com o objetivo de precisar a demanda por moradia estudantil em Salvador para subsidiar a elaboração e implementação de políticas públicas de promoção do direito à cidade desse segmento específico.
[3] A compreensão de direito à cidade nesse texto tem referência na concepção proposta por Henri Lefebvre que o entende como “direito à vida urbana, transformada, renovada... ‘o urbano’, lugar de encontro, prioridade do valor de uso, inscrição no espaço de um tempo promovido à posição de supremo bem entre os bens, encontre sua base morfológica, sua realização prático-sensível (...)” (LEFEBVRE, 2008, p. 118).
[4] Das poucas informações disponíveis sobre este tema no site da União Nacional dos Estudantes (2006), há uma matéria de 2006, segundo a qual a Diretora da UNE Márvia Scardua afirmava que ano após ano a UNE tem pressionado os parlamentares para garantir verba de assistência estudantil, sendo que a negociação e pressão dessa entidade na Comissão de Educação garantiu que o orçamento de 2007 tivesse R$ 20 milhões destinados às políticas de assistência estudantil nas Universidades Federais, valor correspondente a 10% da verba aprovada para as Instituições de Ensino Superior (IFES), naquele ano. Na compreensão da UNE as políticas de assistência estudantil referem-se à execução de ações de inclusão e apoio aos estudantes carentes que apesar de ingressarem em universidades públicas demandam investimentos para custear livros, passagens, alimentação, inclusão digital, saúde e moradia estudantil para aqueles oriundos de cidades do interior, sendo que essa entidade defende a criação de um Plano Nacional de Assistência Estudantil e o aumento de 9% para 14% de recursos destinados pelas instituições federais a estas políticas (UNE, 2006).
[5] O conceito de déficit habitacional básico utilizado pela Fundação João Pinheiro corresponde às deficiências por estoque de moradias, seja por necessidade de reposição do estoque, seja por necessidade de incremento de estoque (2006).
[6] A inadequação de domicílios urbanos refere-se as seguintes categorias e situações: carência de infra-estrutura, relativa aos domicílios que não dispunham de ao menos um dos serviços básicos de iluminação elétrica, rede geral de abastecimento de água com canalização interna, rede geral de esgotamento sanitário ou fossa séptica e coleta de lixo; adensamento excessivo, corresponde a ocorrência de um número médio de moradores superior a 3 por dormitório; inadequação fundiária diz respeito aos casos em que pelo menos 1 dos moradores tenha a propriedade da moradia , mas não possui total ou parcialmente o terreno ou a fração ideal de terreno; e domicílios sem banheiro são aqueles com ausência de unidade sanitária (idem).

[7] O Reitor da UFBA, Naomar Almeida, propõem uma bolsa-moradia para pagamento de aluguel no valor de R$ 250,00 por estudante que deseje sair das residências, mas a maior parte dos estudantes residentes não aceitou essa proposta.
[8] O FNRU derivou do Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU), que surgiu na década de 1980 articulando um conjunto significativo de organizações do movimento popular e entidades técnicas e profissionais ligadas a luta pela Reforma Urbana, tendo como pano de fundo as lutas pela democratização do país em reação ao derradeiro regime da ditadura militar. Foi responsável pela proposta de Emenda Popular da Reforma Urbana (Nº 63/1987), que deu origem ao até então inédito Capítulo da Política Urbana na Constituição Federal de 1988 (Arts. 182 e 183) e a luta que levou à aprovação do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).