Entrevista da Semana

 Hildenise Novo
 
"Um momento de retrocesso, onde direitos adquiridos por trabalhadores estão sendo violados", afirma Hildenise Novo, Diretora do Instituto de Ciência da Informação - ICI sobre a conjuntura atual. Hildenise é a nossa entrevistada desta semana.

OE! - Conta um pouco da sua trajetória acadêmica-política-profissional até chegar a direção do ICI.
 
Hildenise - Antes de me tornar docente, trabalhei na UFBA como Bibliotecária do Instituto de Geociências. Em 2005 resolvi realizar mestrado em Ciência da Informação no IBICT/Rio de Janeiro. Quando defendi minha dissertação em 2007, já pensava em ingressar na carreira docente. Em 2008, surgiu o concurso no Instituto de Ciência da Informação - ICI para a área de conhecimento na qual pesquiso. Sem hesitar fiz minha inscrição e fui aprovada em primeiro lugar no concurso e no mesmo ano iniciei como docente no ICI. No ano seguinte entendi que além da docência precisava me engajar de forma política para colaborar com a evolução dos cursos de Arquivologia e Biblioteconomia. Pensei então em me candidatar a coordenação do Colegiado de Biblioteconomia e iniciei esta trajetória como vice-coordenadora para, em seguida, em 2011, candidatar-me a coordenadora do mesmo colegiado.
 
Nesta época em que fui coordenadora e naturalmente membro da Congregação do ICI, como representante do colegiado, comecei a entender que de fato as articulações políticas, nos espaços de decisão da academia vão além da mera intenção de colaboração para o bem de um ideal ou de um coletivo, se torna uma questão de “sobrevivência e permanência no poder”. É claro que muitos que estão nesses espaços muitas vezes o fazem por questão ideológica, ou até mesmo porque nem todos os docentes se dispõem a ocupar cargos administrativos e então os que mais participam da gestão de uma unidade acadêmica são levados a aceitar assumir tais postos, se dando assim o início de vínculos políticos que são naturalmente forjados.
 
Enfatizei no início que iniciei na UFBA como Bibliotecária, portanto já era servidora na categoria de técnicos administrativos antes de me tornar docente e sabia bem dos problemas, das limitações, das necessidades de melhorias, das reinvindicações desta categoria e pude perceber que sempre escutava os meus colegas técnicos de forma diferente e mais próxima por ter experimentado estar na mesma posição que eles por um longo período. Além disso, me aproximava dos discentes e eles viam em mim como coordenadora, uma docente que lutava por seus interesses, afinal também já tinha estado nesta condição e confesso: era uma aluna que acirradamente combatia perseguições, desigualdades de tratamento e principalmente lutava pelos interesses dos discentes, em uma época que a luta era sempre combatida, afinal, estudei e me formei na Universidade Federal Fluminense no final dos anos 80 do século passado.

Em 2010 tivemos consulta para a Direção do ICI e já percebíamos, eu e alguns colegas, que a chapa que se candidatava não seria uma boa opção para gerir o Instituto, mas não tivemos opção de escolha pois a consulta foi para uma chapa única, o que nos restou foi não comparecermos para depositar o nosso voto na urna. De 2010 a 2014 enfrentamos no ICI problemas dos mais variados diante de uma gestão onde os relacionamentos humanos eram difíceis e por muitas vezes impossíveis com o dirigente da época. Isto nos levou, nós docentes, a apoiar os discentes e solicitar a saída do dirigente através de um documento coletivo que foi levado a Reitoria.
 
Nesta época eu estava realizando o doutorado, além de ministrar aulas e coordenar o curso de Biblioteconomia, mas não me furtei a lutar por aquilo que achava justo e melhor para o Instituto e quando convocada pelos colegas Servidores Técnicos Administrativos, Docentes e Discentes, a me candidatar a Direção do ICI resolvi aceitar o desafio. Conclui o doutorado em 3 anos e me candidatei ao cargo de Diretora. Foi uma batalha difícil, pois concorremos com uma outra chapa. Pela primeira vez na história do ICI tiveram 2 chapas inscritas, o que levou o DA de Arquivologia a promover um debate com as candidatas. Vencemos a consulta acirrada, ganhando principalmente com o voto dos técnicos administrativos e discentes, o que me fez perceber que a minha caminhada de apoio, defesa e combate as injustiças a eles atribuídas no período de 2010 a 2014 me conduziram ao cargo, portanto a minha responsabilidade era muito maior do que eu imaginava durante os próximos 4 anos que viriam pela frente. Ali no momento da apuração dos votos à minha “ficha” por fim caiu e me perguntei temerosa se com apenas 6 anos de experiência docente eu teria a competência para gerir uma unidade de ensino, mesmo tendo sido gestora desde que me tornei Bibliotecária.

Hoje já passados 2 anos e meio do nosso mandato, penso que não poderia ter fugido da luta como não fugi e que mesmo com as dificuldades imputadas pelo atual momento político vivido neste país, não me arrependo de ter me candidatado porque vale a pena ver que o ICI hoje é um Instituto produtivo nas questões relacionadas a Ciência, possui um ambiente físico mais confortável e acolhedor e principalmente onde as pessoas humanas convivem bem e são tratadas com dignidade.
 
OE! - Qual a sua avaliação sobre o reitorado de João Carlos Salles e a sua relação com o mesmo?
 
Hildesine - Sou testemunha de que o atual Reitorado iniciou seu mandato com inúmeros problemas emergenciais e sérios que precisavam ser resolvidos, afinal assumi a Direção do ICI no mesmo ano e logo após o atual Reitorado ter sido empossado.
 
Não é fácil gerir uma Universidade do tamanho da UFBA, não digo só em números de pessoal (servidores), discentes e unidades de ensino, mas principalmente pela posição em que ela está na região nordeste, no estado da Bahia e no país. Após um momento de crescimento ocorrido nos últimos 15 anos assumi uma Universidade com sérios problemas de várias ordens, aqui destaco alguns: dívidas, falta de recurso financeiro com contingenciamento e corte de verbas, tendo que realizar pagamento de pessoal terceirizado, energia, dentre outros; obras inacabadas; problemas com restaurante universitário e posto de distribuição de alimentos; segurança nos campi, restrição de verbas para pesquisa dentre tantos outros problemas.
 
Sei que é difícil agradar a todos, mas digo que o Prof. João tem para mim uma das melhores qualidades que um gestor pode ter: saber ouvir o outro, pois mesmo que ele não tenha uma solução imediata para um problema, ele o conhecerá sob a ótica de quem o vive e não através do olhar de um terceiro.
 
Problemas existem, nenhuma gestão é perfeita, mas avalio o reitorado como muito bom diante do grave momento político que vivemos neste país. Quanto a relação da Diretora do ICI e o Reitor Prof. João Carlos Salles, tenho a dizer que até o momento não houve um momento em que encontrei a porta do seu gabinete fechada para o ICI, portanto, seria injusta de não afirmar que é a melhor possível.
 
OE!Em que pé anda as obras da nova sede do ICI?
 
Hildenise - As obras estão paradas, existem diversos problemas técnicos que afetaram a estrutura do prédio. Existe um processo contra a construtora que corre na justiça. No mês de abril recebemos a visita de uma equipe do MEC constituída por engenheiros que puderam verificar as condições do prédio. No entanto, existe uma decisão da comunidade do ICI aprovada em reunião de Congregação na antiga gestão e na atual também, que após verificar o laudo técnico sobre a obra, por não aceitar a recuperação das estruturas para sua continuidade. Mas acredito pelo que venho acompanhando é que esta possibilidade é remota, tendo em vista o alto custo para tal recuperação, além disso o risco é grande já que não se tem certeza alguma sobre como se deu a fundação para esta estrutura. Acreditamos na sua demolição e a construção de uma nova edificação, adequando o projeto antigo as demandas atuais para o ICI e a UFBA.
 
OE! - Como você avalia o atual momento político em que estamos vivendo no Brasil?
 
Hildenise - Um momento de retrocesso, onde direitos adquiridos por trabalhadores estão sendo violados.
 
Os pobres estão sendo penalizados por uma classe burguesa que não aceita a organização das classes menos favorecidas.
 
Projetos e investimentos antes voltados para a população menos favorecida como os de moradia, saúde, cultura e educação estão sendo reduzidos ou desmontados.
 
A Educação sendo reduzida a uma formação de base pífia, onde disciplinas fundamentais a formação do indivíduo enquanto idealizador e questionador do “mundo” em que habita são extintas do currículo de formação básica.
 
O voto do eleitor é desrespeitado e o golpe é instalado de forma vil e a liberdade de opinião é vigiada.
 
Portanto um momento de luta e resistência.

OE!Como a direção do ICI está lidando com os cortes do MEC nas universidades federais?
 
Hildenise - Trabalhando com o que temos de forma planejada e com o apoio da Reitoria nas necessidades emergenciais que surgem ao longo do ano. Somos uma unidade pequena e temos uma despesa compatível com o tamanho do ICI, isso de certa forma facilita.
 
É claro que durante o primeiro ano foi mais difícil porque não tivemos repasse de verba para as unidades, o que foi retomado no final de 2016, ainda de forma tímida, mas o que já nos ajudou a comprar alguns equipamentos que nos faltavam naquele momento.
 
Trabalhamos com criatividade e ajuda da comunidade (docentes, servidores técnicos administrativos e discentes) para realização de alguns trabalhos importantes para a comunidade do ICI. O diálogo aberto, respeitoso e constante com a Reitoria, PROPLAN, PROAD e SUMAI nos garantiu a “sobrevivência” nesta caminhada difícil durante os 2 anos e meio de gestão.
 
OE! - Como é a sua relação com o Diretório Acadêmico de Arquivologia – DAArq e o Centro Acadêmico de Biblioteconomia – CABiblio?
 
Hildenise - Muito boa! Ou seria excelente? Para mim a melhor possível. Construímos uma parceria importante desde a luta inicial para chegarmos a Direção e pelo que é fundamental para o ICI até a realização de eventos na área da Ciência da Informação, encontro de estudantes de Arquivologia e Biblioteconomia a nível nacional em um momento de escassos recursos na UFBA e que repercutiram e repercutem positivamente na área da CI até hoje. Acredito nesta parceria e digo que uma direção que não tem seus objetivos voltados para os discentes enquanto “clientes” reais e em potenciais possivelmente estará equivocada.
 
OE!Como você avalia a atual composição e atuação do Conselho UniversitárioCONSUNI?
 
Hildenise - Durante esses 2 anos e meio que participo do CONSUNI tivemos momentos de decisões importantes, mas não de impasses que pudessem dividir opiniões ou fragmentar e prejudicar a gestão central da Universidade.
 
Acredito que os Conselheiros entendem e respeitam o momento difícil que a Universidade atravessa. Lutamos pelas nossas unidades de ensino, mas temos a consciência de que muitas ações a serem executadas foram e são prejudicadas pelo momento político que atravessamos no país e o desmonte executado pelo governo na área da Educação.
 
OE!Em 2018 acaba o seu mandato. Você tentará reeleição?
 

Hildenise - Gente. É difícil responder, mas acho que se fosse hoje, sim. Principalmente pelo momento político que vivemos, onde o bom senso, a criatividade e a habilidade no trato com as pessoas são fundamentais, além da experiência acumulada em momento de crise e luta.
 
Mas a reeleição é uma demanda da comunidade e dependerá dela a minha decisão.
 
 OE! - Deixamos esse espaço livre para que você possa fazer uma consideração final.
 
Hildenise - Importante o trabalho do Estopim e o espaço aberto ao diálogo com os dirigentes da Universidade através deste canal de comunicação. É bastante interessante e demonstra o engajamento de vocês com as causas de uma coletividade.


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Fabio Nogueira

"Existem condições para uma reorganização da esquerda", afirma Fábio Nogueira, professor da UNEB e militante do movimento negro e dirigente do PSOL. Fábio é o nosso entrevistado desta semana.

OE! - Agradecemos à atenção despendida para essa entrevista ao Blog do Coletivo O Estopim!

Fábio - Eu é que agradeço a oportunidade de dialogar com a militância do movimento estudantil, que tem uma história de lutas e enorme contribuição na batalha por direitos e por democracia em nosso país.
 
OE! - O cenário político brasileiro tem sofrido grandes transformações em uma velocidade assustadora. Desde o golpe parlamentar de 2016 houve um conjunto de transformações que impõem decisivos desafios para a classe trabalhadora. Como a esquerda tem reagido a isso?
 
A esquerda tem reagido de forma muito negativa. Em primeiro lugar, por não ter feito o devido balanço autocrítico, um acerto de contas, avaliando prós e contras da experiência de 13 anos do PT (Partido dos Trabalhadores) no Governo Federal. Sem isso deixa de se avaliar um conjunto de erros táticos, assim como de se repensar uma estratégia democrática e popular para o país a partir de uma conjuntura em que setores da burguesia nacional e internacional definiram um novo ciclo de reformas neoliberal e a restrição dos direitos políticos e das liberdades democráticas. Curiosamente os atores que hoje implementam este projeto, assim como algumas das atuais políticas neoliberais, também estavam presentes nos governos petistas. A ausência de um programa de reformas do Estado que aumentasse a participação da sociedade civil e o atual modelo de presidencialismo de coalizão manteve o PT cada vez mais dependente da direita para se manter no poder. Quando isso se expressava numa política em que todos ganhavam (trabalhador e empresário) houve uma certa estabilidade política (mas já forte elementos de crise social como apontam os dados sobre o extermínio da juventude e o encarceramento em massa). Com a crise econômica, a burguesia optou por um ciclo mais agressivo de reformas, o que o PT até por sua base social teria dificuldades de fazer.
 
Em segundo lugar, a esquerda brasileira precisa se reinventar. Marcelo Freixo fala em (re)existir; fazer novamente a nossa existência no mundo e na sociedade brasileira. Há um debate crucial no Brasil de hoje que é sobre democracia e direitos. É possível pensar uma sociedade democrática com homofobia, machismo e lgbttfobia? Que não respeita os direitos dos povos indígenas? Que convive com índices absurdos de mortandade de jovens negros (mais de 50 mil ano passado)? Que enfrenta a questão das drogas como caso de polícia e não de saúde pública? Que assiste milhares de mulheres, em sua maioria negras, morrerem por conta de aborto clandestino? Que convive com crimes de homofobia praticados diariamente sem nenhuma legislação que possa defender os LGBTT´s deste tipo de violência? Estas questões não são temas das "minorias". Nós negros e negras não somos minorias no Brasil, por exemplo. É um debate sobre que tipo de democracia queremos construir e não há condições de fazer isso sem uma profunda reforma do atual aparelho de Estado dominado há séculos por uma lógica neocolonial. Descolonizar o Estado brasileiro é uma das principais tarefas da esquerda hoje. Por outro lado, não é possível democracia sem uma política econômica que tenha como centro preservar os direitos da classe trabalhadora e tornar o Brasil independente, em nível global, dos Estados Unidos. Não podemos ter uma economia onde o agronegócio – com todos os seus efeitos nocivos ao meio ambiente – se tornou a pedra de toque do desenvolvimento nacional. É preciso um novo arranjo produtivo que unifique a manutenção dos direitos dos trabalhadores, faça reforma agrária e invista na agroecologia e na agricultura familiar, no desenvolvimento de setores de ponta da indústria e uma agressiva política comercial que procure atrair outros parceiros econômicos para além dos Estados Unidos.
 
OE! - Desde a última crise aberta dentro do PT houve algumas transformações para a reorganização da esquerda no Brasil. De fato existe uma reorganização da esquerda no Brasil? Podemos ser otimistas quanto ao futuro? Bateu no teto a tática petista de incidir na divisão da burguesia nacional?
 
Fábio - Existem condições para uma reorganização da esquerda. Uma profunda crise social e política e a derrota de uma experiência de esquerda (por mais que sejamos críticos a ela) no poder que foi o PT. Estou no PSOL desde 2005 e o partido sempre criticou as opções dos governos petistas, a política de conciliação e de concessão, por exemplo, no caso dos serviços públicos, ao programa neoliberal da burguesia nacional e internacional. A relação do PT com o imperialismo norte-americano sempre foi algo que a mim me incomodava profundamente. Bastou Obama dizer que "Lula é o cara" para se esquecer de todos os crimes praticados pelo imperialismo no Oriente Médio, as intervenções militares na América Latina e assim por diante. Mas nós pensávamos que uma vez no poder o PT teria condições de, a partir da sociedade civil, pressionar a sociedade política por reformas e avançar num programa democrático e popular. O que prevaleceu foi a política de conciliação, de melhorismo, que se expressou no lulismo. Como eu disse, a ausência de um balanço equilibrado – para além das paixões partidárias ou interesses burocráticos – dificulta um diálogo sincero entre as forças de esquerda para que se possa iniciar um processo real de reorganização. O PSOL tem uma grande contribuição na luta pela democracia. Fomos o setor da esquerda que mais debateu contra o que consideramos "retrocessos democráticos" como, por exemplo, a aprovação pelo governo Dilma da Lei Antiterrorismo. Inovamos na linguagem política. Elegemos uma bancada de mulheres negras nas Câmaras Municipais. Áurea Carolina, a vereadora mais votada da história de Belo Horizonte, fez sua campanha basicamente usando as redes sociais. A campanha de Freixo no Rio teve uma adesão espontânea enorme e foi a que mais arrecadou recursos pela internet. Existe militância voluntária ou pelo menos um desejo de contribuir para construir coisas novas. Porém o PSOL sozinho não é suficiente. Precisamos estar junto com os demais partidos de esquerda no enfrentamento as reformas neoliberais de Temer. As organizações de massa da classe trabalhadora (centrais sindicais e movimentos rurais) precisam ocupar as ruas. Fazer protestos e manifestações massivas como o MTST faz em São Paulo a partir da Frente Povo Sem Medo.
 
Sou pessimista quanto ao futuro quando vejo setores da esquerda presos e mais leais às suas burocracias que aos interesses do povo e da classe trabalhadora. Mais preocupados em debater quem é mais ou menos revolucionário que enfrentar nas ruas e nos movimentos de massa o programa neoliberal de Temer. Sobre a tática petista, a meu ver, o erro não está na tentativa de divisão da burguesia, mas na rendição à lógica burguesa e a crença de que no Estado neocolonial brasileiro se poderia avançar em reformas sem rupturas. Entendo a atualidade do programa democrático e popular, mas ele deve ser repensado dentro das condições econômicas, políticas e culturais do capitalismo no Brasil de hoje. Como formação social, o capitalismo e a luta entre as classes não é algo estático, é histórico por natureza. Enquanto isso a esquerda se recusa a apresentar para o povo algo no que ele se reconheça e creia que vale a pena luta. Os 10% de Jair Bolsonaro nas últimas pesquisas deveria servir de alerta a todos que podemos não ter chegado ao fundo do poço ainda.
 
OE! - Qual o papel da Operação Lava Jato?
 
Fábio - A Operação Lava Jato teve um papel importante ao escancarar as entranhas da relação entre agentes públicos e privados no financiamento de campanhas e favorecimento recíproco com o dinheiro público. É um problema estrutural de um estado neocolonial e em que os mecanismos de fiscalização e controle popular são muito tênues de forma funcional. Porém a Lava Jato foi se convertendo em peça política – espécie de aríete – que foi manipulado pela burguesia nacional e internacional e seus representantes do Legislativo, Judiciário e na imprensa para construir uma narrativa factível para o golpe que tirou Dilma do poder. Nada foi provado contra Dilma, por exemplo, e ela perdeu o mandato presidencial. Essa tática de desestabilização política em ambientes complexos é típica dos jogos militares e foi incorporada à política externa dos Estados Unidos a partir de suas sucessivas agressões e intervenções no Oriente Médio. Além de um governo frágil – como foi o de Kerensky na Rússia pré-revolução – a articulação da burguesia nacional com o imperialismo foi crucial para o golpe. Em áudio vazado na imprensa, Romero Jucá afirma que caso houvesse reação à deposição de Dilma, os militares estava de prontidão. Isso é gravíssimo. Ninguém investigou isso. Só que ao governo de Kerensky não sucedeu um Lênin, mas um presidente sem credibilidade, impopular e totalmente envolvido na corrupção. A cada passo de Temer por se manter no poder (a concessão de "foro privilegiado" para Moreira Franco e agora esta indicação do Alexandre Moraes pro STF) a narrativa da "luta contra a corrupção" perde força. Há muita luta dentro do bloco golpista, o que pode aumentar sua instabilidade. Por enquanto, Temer consegue manter coesa sua base no Congresso e no Senado. E a cada escândalo envolvendo seu nome, se apressa em aprovar um pacote de maldades contra o povo – como a Reforma da Previdência – para se manter confiável à burguesia nacional e ao imperialismo.
 
OE - O que acontecerá com Michel Temer?
 
Fábio - Não sabemos. O que ele hoje faz é se manter no poder com as mesmas práticas que caracterizam o PMDB desde a Nova República. O bloco golpista parece dividido entre aqueles que estão dispostos a sacrificar tudo – até mesmo a narrativa da luta contra a corrupção –, por entenderem Temer como um mal necessário para derrotar o PT e a sua manutenção até 2018, e os que não marcham com ele a depender dos rumos do governo, seu desempenho econômico e o avanço das denúncias contra a corrupção. Pesa também o comportamento do imperialismo com Trump em relação ao Brasil. O apoio ao golpe veio da gestão americana anterior, a de Obama, e não se sabe ainda como Trump vai se relacionar na esfera econômica, já que adotou uma linha xenófoba e protecionista. A imprensa mantém uma relação ambivalente com Temer. Dá destaque aos escândalos de corrupção do seu governo – mas não ao ponto de desestabilizada – e exalta o seu pacote de maldades neoliberal como a PEC da destruição da saúde e educação (PEC 55), a Reforma da Previdência e a Trabalhista. O Judiciário é que está na posição mais difícil, pois está se desmoralizando. Primeiro como Renan dando o cheque-mate no STF e este último recuando no episódio do indiciamento do Senador. Segundo com Moreira Franco recebendo foro privilegiado com sua indicação de Ministro, sendo o mesmo investigado por corrupção (algo negado a Lula). E, por último, com a indicação de Alexandre de Moraes ao STF depois da suspeita do avião de Teori, antigo relator da Lava Jato. Por outro lado, há fatos importantes como a prisão de Sérgio Cabral e de Eike Batista que parece reforçar a ideia de que finalmente "políticos e empresários estão na cadeia", o que dá ainda alguma credibilidade para a Lava Jato. Porém a tendência é o desmonte da narrativa da luta contra a corrupção e o governo de Temer deve ser concentrar no essencial para a burguesia e o imperialismo: as reformas neoliberais. O grande problema dos golpistas hoje é estar associado a um governo como de Temer, dominado por corruptos da maior espécie, mas que mantém a base na Câmara e no Senado coesa na aprovação do pacote neoliberal. A burguesia nacional e o imperialismo acreditam que ele ainda é a melhor aposta. Vamos observar como se comportam a direita, a imprensa e o judiciário.
 
OE! - Em um recente artigo seu, publicado pelo Le Monde Brasil, você faz uma interessante análise sobre os avanços da questão racial no Brasil nos últimos anos. Diante desta ofensiva conservadora, o que se pode esperar de respostas dos segmentos organizados que foram beneficiados pelas políticas públicas do governo Lula?
 
Fábio - Essa é a grande questão. Diante da gravidade do momento que estamos vivendo – pois não é só uma derrota da esquerda, mas um retrocesso para o povo e a classe trabalhadora – nossas organizações sindicais, do campo e da cidade, assim como, a sociedade civil organizada continua perplexa e paralisada. Não podemos ignorar aqui a força das burocracias que funcionam como amarras a ação espontânea da vanguarda mais conectada às dores e aos sentimentos do povo. No entanto, o problema me parece ainda mais grave: a esquerda perdeu referência popular. Ao contrário, quem se fortaleceu hoje no meio do povo e da classe trabalhadora foi a direita. Então essa é uma autocrítica que alcança o conjunto da esquerda.
 
É possível ser de esquerda em uma sociedade complexa e desigual como a brasileira sem construir fortes instrumentos de luta de massas com enraizamento e representatividade no meio do povo? É evidente que não. Estes instrumentos quando existem – no caso da CUT – não colocam a luta na centralidade e no patamar que deveriam ter. Agora mesmo há uma Reforma da Previdência criminosa para ser aprovada, o que poderia colocar a luta pelo Fora Temer num outro patamar e envolver os segmentos populares, mas tudo está muito difuso, se opta por iniciativas de vanguarda sem repercussão mais geral. Única exceção é o MTST que consegue mostrar vitalidade nas mobilizações num difícil momento da conjuntura política. Entendo que a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, o MST e o MTST, deveriam seguir o exemplo do recente movimento de mulheres contra Trump nos Estados Unidos e convocar uma nova Marcha dos Cem Mil sobre Brasília. Só com uma manifestação unificada de forças é possível barrar as contrarreformas neoliberais em curso e dar um sentido de conjunto, aos olhos da população, na luta contra Temer. No caso do movimento negro a situação é ainda mais grave. Lutamos por décadas para que o país tivesse políticas públicas para nossa população e hoje assistimos ao desmonte desta política como, por exemplo, Temer ter incluído no seu pacote de contrarreforma da educação a não obrigatoriedade da Lei 10.639/03 de ensino da cultura africana nas escolas do país. Há sinais de aprofundamento da política de guerra às drogas, do encarceramento em massa (com a crise anunciada do sistema prisional) e do extermínio da juventude negra. Porém sofremos o mesmo problema dos movimentos em geral. Precisamos definir a nossa agenda de enfrentamento a Temer e construir nosso projeto para dialogar e disputar setores da sociedade. Neste sentido, a Convergência Negra, unificação de entidades negras nascida na luta contra o golpe, é uma experiência importante da comunidade negra brasileira.
 
OE! - O PSOL tem atravessado o que chamamos de um processo de amadurecimento, uma espécie de fim da adolescência para o início da vida adulta. É possível construir uma identidade partidária e apresentar um projeto para a disputa da sociedade?
 
Fábio - Sim, é possível. De certa forma, o PSOL foi bem sucedido ao preservar a esquerda que não tem medo de se assumir como tal e dizer seu nome. Ele conseguiu construir na cena política que há um setor da esquerda que não se rendeu ao pragmatismo e ao toma lá da cá da pequena política que hoje chegou a níveis absurdos de deterioração. Contribuímos na luta contra reformas que significavam ataques à classe trabalhadora, na defesa da educação e saúde pública gratuita e de qualidade, contra a entrega do patrimônio nacional, a luta contra o imperialismo, na defesa da reforma agrária, da democratização dos meios de comunicação e de um estado democrático em que mulheres, negros e negras, povos indígenas e LGBTT’s sejam cidadãos plenos. E o fizemos desde uma oposição de esquerda aos governos do PT, com independência e autonomia, mas de forma programática, algo que repetimos nas Casas Legislativas onde temos representação. Esta postura coerente também contribuiu a nossa posição clara e firme na luta contra o impeachment, e nossa bancada federal teve uma atitude corajosa e politicamente comprometida com o povo e a classe trabalhadora ao votar contra o golpe. Ao contrário da direita, não fazemos oportunismo ou temos seletividade quanto o tema da corrupção. Ao mesmo tempo, entendemos que o combate à corrupção deve estar associado a um pacote de medidas como a auditoria da dívida pública, que hoje se encontra em níveis estratosféricos, e é um obstáculo a um modelo de desenvolvimento autônomo e soberano.
 
Quando vocês falam em amadurecimento do PSOL entendo muito mais no sentido de que apenas o PSOL – valente e combativo – não é suficiente para conta deste conjunto de tarefas. São necessárias articulações com outros segmentos da esquerda, partidários e não partidários, mas, sobretudo, uma ampla rearticulação no campo da sociedade civil a partir das unificações das iniciativas da Frente Povo Sem Medo e da Frente Brasil Popular. A esquerda precisa voltar a ocupar a sociedade civil e retomar sua influência de massas para além dos períodos eleitorais e fortalecer os instrumentos de luta da classe trabalhadora. Apenas com uma "esquerda" – no sentido amplo do termo – reorganizada em torno de uma agenda de lutas unitária é que teremos condições de derrotar Temer. Este processo deve ocorrer de forma fraterna com espaço, inclusive, para as autocríticas, algo que o PT não fez por ter se institucionalizado ao ponto de não perceber que o momento de ocupar as ruas é agora. Esta é uma tarefa dos movimentos sociais e o PSOL é parceiro desses.
 
OE! - A política baiana segue bastante apimentada. Como você enxerga a ascensão em poder de Otto Alencar (PSD) na correlação estadual?
 
Fábio - Com preocupação. Minha avó dizia "quem dorme com cães, com pulga se levanta." Não está o PT da Bahia repetindo a mesma "crônica de uma morte anunciada" que levou à deposição de Dilma? O fortalecimento de Otto tem relação com o projeto de "governabilidade" que prioriza a relação com a direita na formação da maioria nas Casas Legislativas para a aprovação de projetos de interesse do Executivo e manda o povo ficar em casa, desmobilizando-o. Não se constrói hegemonia de esquerda apenas do gabinete, assinando decretos e dialogando exclusivamente com o parlamento. Para termos uma ideia, na votação do Plano Estadual de Educação, o deputado Pastor Sargento Isidório (PDT), que representa um segmento conservador entre os religiosos, fez uma articulação para retirar o debate de gênero, raça e diversidade sexual do plano. A bancada do PT se dividiu entre os que apoiaram a retirada e os que se mantiveram contra. Tudo em nome do apoio da bancada do PDT de Isidório na Assembleia Legislativa. Este é um episódio entre tantos de como se sacrifica pontos inegociáveis de um programa de esquerda em nome de uma governabilidade que só fortalece a direita. Muitos podem perguntar, mas é possível governar sem esse tipo de acordos. A esquerda tem várias experiências de administração popular – algumas construídas pelo próprio PT – que mostram formas alternativas, combinando participação direta, fortalecimento da sociedade civil com diálogos e acordos táticos em torno de um núcleo de um programa de esquerda, naquilo que é essencial. Não está claro qual projeto para a Bahia o PT defende hoje. O lulismo em nível federal colapsou com a derrocada de Dilma. O Governador Rui Costa tende a adotar uma postura mais administrativista para fazer frente aos altos índices de popularidade de ACM Neto. A posição de Rui em relação à guerra às drogas e a política de segurança não mostra diferenças essenciais com a direita. É só lembrarmos a sua posição na Chacina do Cabula e a sua recente declaração em que se compromete com a falida causa do proibicionismo. Isso é ruim porque dilui as diferenças que possam existir e colocam o debate num patamar de quem fez mais ou menos, sem debater o modelo de sociedade que queremos. Otto cresce justamente por isso. Político experiente e egresso do carlismo, está sabendo habilmente se equilibrar entre o Governo Federal, Estadual e mantendo relações fraternas com o grupo de ACM Neto. Bruno Reis (PMDB), vice de Neto, chegou a ventilar na imprensa que Oto seria um bom nome para o governo do Estado. Para se ter ideia, a bancada de oposição na ALEBA foi fundamental na eleição do preposto de Otto, o deputado Ângelo Coronel, que jurando lealdade a Rui agradeceu entusiasticamente o apoio de ACM Neto. Além da União de Prefeitos da Bahia (UPB), Otto controla agora a Assembleia Legislativa. Rui aumentou a presença de Oto no governo, mas não creio que isso vai reverter a sua ascensão política. A popularidade de Rui influencia muito, mas podemos considerar que Otto se movimenta como uma força política própria e independente. Hoje temos, portanto, três grupos se digladiando pelo poder na Bahia: o do PT e seus aliados, o de ACM Neto e o de Otto Alencar. Neste cenário o PSOL deve investir na Bahia para a construção de um campo político independente e amplo. Precisamos ouvir as pessoas, os movimentos sociais e as forças vivas da esquerda para construir um programa em movimento que seja capaz de conquistar corações e mentes no estado da Bahia e fortalecer um projeto de esquerda democrático e popular.
 
OE! - O último pleito eleitoral em Salvador demonstrou a consolidação do bloco conservador na capital. Qual avaliação você faz deste último processo?
 
Fábio - Este último processo deve servir de lição para o conjunto da esquerda. Historicamente, em Salvador, a esquerda atingia algo em torno de 30% do eleitorado. O que assistimos foi a queda acentuada das candidaturas que tradicionalmente se reivindicavam à esquerda. Em parte podemos explicar isso como reflexo da crise do PT e das denúncias da Operação Lava Jato. Até porque em Salvador tivemos massivas mobilizações contra o golpe. Imaginou-se, portanto, que bastava associar ACM Neto ao golpe que se teria condições de fortalecer um projeto de esquerda. O primeiro erro foi a inexistência de uma autocrítica. A candidatura do PCdoB se comportava como se o golpe fosse algo que surgiu do nada e não resultados dos erros cometidos à frente do Governo Federal, em particular, do estelionato eleitoral cometido por Dilma depois de sua reeleição em 2014. Depois disso, se manteve as mesmas alianças de sempre, com partidos conservadores e de direita, a exemplo do PSD de Otto Alencar.
 
Outro elemento de tática eleitoral que foi decisivo foi uma questão de time, a demora do PT e do Governador Rui Costa em se definirem em Salvador. Por último, foi a ideia dos vários palanques estimulando-se que Cláudio Silva (PP) e Pastor Sargento Isidório (PDT), de partido da base do governador Rui Costa, também saíssem candidatos para forçar um eventual segundo turno. Aos olhos do povo, já aturdido com o noticiário que coloca todos os partidos e políticos na vala comum da velha política dos conchavos e da corrupção, reforçou ainda mais este sentimento o governador subir no palanque da comunista Alice Portugal (PCdoB) e do conservador e reacionário Pastor Sargento Idisidório (PDT). Cláudio Silva (PP) ao fim da campanha se posicionou mais próximo de ACM Neto, o que ficou explícito no debate da TV Bahia.
 
Hilton Coelho é vereador de Salvador
O PSOL por sua vez, não obstante à reeleição de Hilton Coelho com 14 mil votos e quase chegarmos a ter uma segunda vaga na Câmara de Vereadores, não conseguiu se apresentar como alternativa de esquerda para um setor mais expressivo do eleitorado. Em parte pelos efeitos da lei eleitoral que limitou nosso tempo de televisão (de mais de 1 minuto para 17 segundos) e o tempo de campanha (de 90 para 45 dias). Fomos ainda perseguidos pela TV Bahia (do pai do prefeito ACM Neto) que nos tirou do último debate dos prefeituráveis numa postura antidemocrática. Fui o candidato que mais fez críticas à gestão de ACM Neto e ele não teve coragem de enfrentar o PSOL num debate público por razões óbvias. A votação de ACM Neto é um mérito do seu grupo político, o DEM, que se reinventou quando abandonou a sigla PFL e investiu em novos quadros para renovar à direita. Além disso, fez uma gestão que – não obstante a farra das obras com dinheiro público sem transparência e os velhos métodos clientelistas do carlismo – pareceu aos olhos do povo como algo positivo, pois "afinal fez alguma coisa". Este tipo de discurso só ganha força em um ambiente político desideologizado, algo que o PT e Rui parecem apostar quando investem a ideia do perfil administrativista do governador. Isso é ruim para a esquerda, pois fortalece e legitima o discurso da direta. Por outro lado, o PSOL também precisa fazer um profundo balanço autocrítico. Apesar de ampliarmos nossa aliança (com a REDE) e apoio (principalmente do movimento negro) não tivemos um resultado eleitoral que expresse uma vitória política. Nossa principal fragilidade é a relação com a população mais pobre, que vive nas periferias e que tem referências muito distintas do eleitorado tradicional do PSOL mais de classe média. Ao mesmo tempo, a ausência de uma frente de oposição ao prefeito de ACM Neto na cidade de Salvador, para além da oposição na Câmara, dificulta até mesmo uma leitura mais fina do projeto político do carlismo na cidade, os seus impactos e como mobiliza os sujeitos em torno deste. Esta é uma tarefa não apenas do PSOL, mas também do conjunto da esquerda e dos movimentos sociais.
 
OE! - O congresso do PSOL bate à porta e este será um ano de grandes debates internos no partido. O que você espera desse processo?
 
Fábio - Espero um processo de consolide o amadurecimento do PSOL. Precisamos construir, mais do que referências públicas, instrumentos de luta do povo, dos de baixo, como capacidade de reencantar milhões de trabalhadores e trabalhadoras que perderam referência em uma política de esquerda e hoje flertam com alternativa de um fascista como Bolsonaro (com 10% nas últimas pesquisas de intenção de voto). É necessário enraizar o PSOL nas lutas dos sindicatos, associações, dos movimentos estudantil, negro, de mulheres e LGBTT e ser parceiro na construção de organizações de luta do povo com todos aqueles que, apesar de suas contradições, queiram se somar a lutar contra Temer e seu pacote de contrarreformas neoliberais. Devemos fazer um debate de alto nível sobre estratégia socialista para o Brasil, programa democrático e popular, que programa vamos apresentar ao povo brasileiro em 2018 e que papel vamos jogar no processo de reorganização da esquerda diante de um cenário de avanço das forças conservadoras. No caso da Bahia, precisamos fazer um balanço eleitoral e político sincero de nossos méritos e limitações e procurar fortalecer nosso trabalho nas diferentes regiões e cidades, dotando o partido de instrumentos de construção permanente, para além dos períodos congressuais e eleitorais. É muito difícil enfrentar as oligarquias do interior da Bahia, assim como o carlismo que se renova e se reinventa na capital. Também é duro ter que sofrer os impactos do descrédito com a esquerda em função dos erros que PT e PCdoB cometem não apenas em suas administrações, como também na direção do movimento sindical e dos movimentos sociais. Precisamos contribuir para a construção de um novo projeto de esquerda, que seja amplo e fraterno na relação com os diferentes sujeitos, mas firme nos princípios políticos para a Bahia e o Brasil.
 
OE! - Deixamos esse espaço livre para que você possa fazer uma consideração final.
 
Fábio - Agradeço a todos vocês e quero reiterar aqui a minha crença em uma sociedade de homens e mulheres livremente associados. Apesar da conjuntura adversa para a esquerda, é sempre bom lembrar que vivemos períodos mais duros, de ditadura aberta, com perseguição e assassinatos de lideranças políticas como o baiano João Leonardo, mas mesmo assim a esquerda soube se reinventar e renascer. Agora não será diferente. Temos que observar com serenidade os acontecimentos e lutar, lutar muito, para enfrentar os podres poderes que mantém o Brasil no atraso e preso nas malhas ferinas do imperialismo norte-americano. O futuro do Brasil será de uma pátria livre, soberana e socialista. O martírio dos meus ancestrais que foram sequestrados de África e escravizados por séculos neste país não foi em vão. Tenho certeza disso.


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No Hospital Pedro Ernesto, de onde concederam entrevista exclusiva para o QTMD?, dois jovens feridos na manifestação no Clube Militar seguram um exemplar do livro "Direito à Memória e à Verdade". Foto: Ana Helena Tavares


Por Ana Helena Tavares – do Quem tem medo da democracia?


Rodrigo Mondego - Foto: Ana Helena Tavares

Eles empunhavam cartazes com rostos. Rostos que não têm corpos.

“Ali, a gente não estava fazendo um carnaval, não estava fazendo palhaçada. Para ver um cara que foi do regime que matou rindo das fotos dos companheiros que foram mortos. E sumiram. Rindo também de gente que estava lá, que tinha sido torturada e que traz cicatrizes no corpo”, desabafa Rodrigo Mondego, de 27 anos, bacharel em direito, que esteve na quinta-feira, 29 de Março, em frente ao Clube Militar no Rio de Janeiro, protestando contra a comemoração do golpe de 64, promovida no mesmo dia por integrantes do Clube.

Ele não estava sozinho. Segundo seus cálculos, havia cerca de 700 pessoas. Gustavo Santana, sociólogo, de 28 anos, também estava lá. Ambos dizem ter sido agredidos por PMs. Mondego sofreu ferimentos leves, porém Santana teve o braço quebrado e terá que ser operado. Do Hospital Universitário Pedro Ernesto, onde está internado, ele e Mondego concederam entrevista exclusiva para o site “Quem tem medo da democracia?”.

Processo

Os jovens pensam em processar o Estado pelas agressões dos PMs e o Clube Militar por apologia ao crime: “Para mostrar que alguma coisa tem que ser feita. Porque nós ainda não chegamos ao ideal pretendido pelos que lutaram contra a ditadura e o Estado tem que ser responsabilizado pelas atrocidades cometidas naquele período”, diz Santana, que completa: “O troglodita que me agrediu pode até ter consciência do que fez, mas ele é produto de uma formação militar absolutamente equivocada. E temos que discutir, inclusive, porque a polícia tem que ser militar. Ela pode nos proteger, mas é o contrário. Então, nós não estávamos ali por um ato específico, estávamos por uma série de questões que têm que ser revistas”.

Denúncia

Os dois estão receosos pela vida de um colega, Felipe Garcês (conhecido como “Pato”), de 22 anos, que foi fotografado cuspindo em um militar e está sendo ameaçado de receber represálias. A foto (que pode ser vistaclicando aqui ) é da Agência Estado e foi publicada na Veja.com, no blog de Reinaldo Azevedo, que chama Garcês de “baderneiro”.

“Signatários da luta”

Tanto Santana como Mondego construíram sua militância política a partir do movimento estudantil. Mondego participou ativamente do grêmio do Colégio Pedro II – Humaitá, do DCE da Faculdade de Direito da UFRJ e, em 2009, foi um dos fundadores da Secretaria de Direitos Humanos da UNE. Santana foi diretor da Secretaria de Igualdade Racial da mesma entidade.

Eles consideram que participar do ato contra a comemoração do golpe foi uma obrigação cidadã: “Nós tínhamos a obrigação de estar ali. Muita gente deu a vida para que nós pudéssemos ter o direito à livre manifestação. E a essas mesmas pessoas foi negado o direito de ter história, porque muitos desapareceram. E acho que nós, como signatários dessa luta, temos que estar na rua para dizer que enquanto essas pessoas não aparecerem a luta ainda não acabou. A luta delas ainda existe e é a nossa luta.”, diz Santana. E pergunta-se: “Como se pode ter democracia com negação de memória?” Mas considera que “a nossa democracia tem sido construída, aos poucos, com distribuição de renda”.

“Disputa de corda com elástico”

Para ele, o Governo Federal está travando uma “disputa de corda com elástico” para conseguir colocar em prática a Comissão da Verdade. “Ao mesmo tempo em que a presidente Dilma sabe da importância dessa causa, ela vive tensionada de todos os lados. Eu não gosto muito desse termo, mas ainda é um governo de disputa. Falta o questionamento da militância. E é preciso que a sociedade pressione para que o governo se veja obrigado a não fazer outra coisa senão instaurar de fato a Comissão e abrir os arquivos. Tem que ter o respaldo da sociedade. O governo não fará nada sem isso.”, assegura Santana.

“Meu braço ficou pendurado”

O jovem sociólogo descreveu a forma como foi agredido na manifestação do dia 29: “Eu estava correndo e tomei uma pancada. Vi quando o PM me bateu e olhei na cara dele. Ele sabe que bateu para me machucar. Fumaça, bomba… Só senti quando meu braço ficou pendurado.”, lembra Santana que conclui: “Vivemos num Estado Democrático de Direito, mas as atrocidades (da PM) são as mesmas.”


E se fosse contra a comemoração do nazismo?

Rodrigo Mondego, o outro jovem agredido, pediu que se faça um exercício imaginativo: “Um ato contra a comemoração do Nazismo em Berlim promovido por ex-combatentes nazistas. Contra a comemoração do Franquismo em Madri promovido por agentes do ditador espanhol Francisco Franco. Contra a defesa do 11 de setembro de 1973 em Santiago promovido pelos seguidores de Pinochet. Tais atos seriam condenados como o ato contra a comemoração de 1964?”, indaga.

Suporte civil

“Até a década de 90 era tabu falar em financiamento americano à ditadura. E agora? Quem ajudou naquele período? Quem deu suporte civil àqueles caras?”, continua indagando Mondego. E afirma: “Se houver mesmo Comissão da Verdade, terá que se falar sobre o apoio que a Globo deu à ditadura, sobre os carros que a Folha emprestou aos torturadores. Enfim, sobre a participação dos empresários da mídia brasileira, que ainda é muito reacionária.”

“Torturando os filhos dos torturados”

Segundo ele, o ato contra a comemoração do golpe de 64 “começou de maneira pacífica, tranquila”. Considera que os militares participantes do evento pró-golpe, mesmo os que não foram torturadores, “estavam lá, por livre e espontânea vontade, festejando um período onde houve estupro de militantes, pau-de-arara, desaparecimentos… O fato de ele estar comemorando aquele golpe faz com que ele esteja torturando hoje os filhos de todo mundo que foi torturado. Está torturando os filhos dos desaparecidos. Está fazendo apologia ao crime”

Ovos comprados na hora

Alguns manifestantes, sentido-se provocados por militares que, contam os entrevistados, “debochavam e faziam gestos obscenos“, resolveram comprar ovos na hora. Mondego estava com alguns na mão, quando ouviu de um senhor ao seu lado: ”Meu filho, me dá a honra de me dar um ovo desses para eu tacar num fascista.’” Ele tinha tido um irmão morto pela ditadura. “Aqueles ovos não davam para acertar em ninguém, tinha muita tropa de choque. Mas era uma questão simbólica. A gente queria tacar ovo na comemoração, não em ninguém específico”, pondera o jovem.

Pistola elétrica com manifestante já caído

Além da agressão que ele próprio sofreu, levando um soco na boca do estômago, Mondego conta ter presenciado a cena de um colega seu da UFRJ caído no chão e recebendo choque com pistola elétrica de PMs.“A organização do evento não foi boa e a polícia foi extremamente irresponsável. Muita gente apanhou. Muito gás lacrimogêneo… Enquanto isso, os militares saíram de fininho pelas escadas do metrô. Teve cuspe, porque provocaram. Mas ninguém os agrediu.”, garante. E completa: “A sensação que ficou é que, como eles nunca foram punidos, se acham no direito de debochar da história do país.”


Comissão da Verdade

Mondego tem uma trajetória de luta para levar a discussão sobre a importância da Comissão da Verdade para dentro das universidades. “Temos uma Constituição democrática avançada em vários aspectos, mas estamos aí recebendo punição da OEA, da ONU, por causa Lei de Anistia. Não acredito que vá haver punição, e não queremos espancar os caras nem fazê-los sofrer como os torturados sofreram. É muito mais simbólico. É preciso que a história seja contada”, diz. Rodou o país participando de eventos sobre o tema e lamenta perceber que “no conjunto da sociedade, (este tema) está muito longe de ter espaço.”

Ele cita Nilmário Miranda e Paulo Vannuchi, ambos ex-ministros da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e a atual titular da pasta, ministra Maria do Rosário, como pessoas que “colocaram o pé na porta”, dentro do governo Federal, e “se posicionaram firmemente a favor da Comissão”.

“A lógica não foi rompida”

Para ele, esse não é um debate que interessa só à esquerda. “Tinham bandeiras vermelhas, socialistas, lá no ato… Mas esse debate é de todos. Porque a violência de ontem reflete hoje. A PM do RJ (matou 1.137 pessoas em 2009) e a de SP (matou 397 pessoas no mesmo ano) matam mais que a polícia dos EUA, que não é referência para nada, matam mais que o Iraque em guerra, que a África do Sul ou que qualquer polícia do mundo… Desaparecia gente antigamente (na ditadura) e continua desaparecendo… Pelas mãos de agentes do Estado…”, diz o bacharel em direito, que embasa sua fala apresentando estatísticas sobre “autos de resistência”, feitas pela ONG internacional Human Rights Watch.

A partir destes dados, Mondego buscou mostrar que sua luta, tanto quanto a de Santana, não é só pelas vítimas da ditadura. E exemplificou com caso recentes: “Lutamos por um cara que morreu e só acharam o corpo bem depois na Baixada Fluminense. Por uma engenheira que desapareceu na Barra da Tijuca e tudo indica que foi morta por policiais, mas ninguém sabe… Lutamos por um senhor, morador do Morro dos Macacos, em Vila Isabel, que estava lá furando a parede de sua casa, levou um tiro na cara, e a justiça do Estado Democrático de Direito entendeu que o policial não teve culpa. Porque a lógica (da ditadura) não foi rompida no Brasil”, conclui.




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Primeira Entrevista da Semana do Coletivo O Estopim!
José Sérgio Gabrielli, ou Zé para os mais chegados. 

Com José Sérgio Gabrielli

Professor da Universidade Federal da Bahia, formado em Economia, 62 anos, militante do Partido dos Trabalhadores desde a sua fundação, José Sérgio Gabrielli, ou simplesmente Zé para os mais chegados, é um dos quadros técnicos mais preparados do PT. Recentemente anunciou a sua saída da Presidência da Petrobrás para assumir a chefia de uma Secretaria de Estado no Governo da Bahia e contribuir com o projeto do governador Wagner. O blog do Coletivo O Estopim antecipa-se, logo após a sua chegada programada para o dia 24 de Fevereiro, e nos trás essa instrutiva entrevista com ex-presidente da Petrobrás e futuro secretário de Estado.

O Estopim! - Presidente, para nós é de grande satisfação tê-lo como entrevistado do nosso blog, inaugurando o quadro “Entrevista da semana” do nosso portal. Gostaríamos de saber um pouco sobre a sua trajetória de militância e quando o PT apareceu na sua vida?

José Sérgio Gabrielli  - Comecei minha militância política ainda secundarista no Colégio Severino Vieira e Central, lá pela primeira metade dos anos sessenta e depois que entrei na Universidade fui Vice presidente do DCE eleito cinco dias antes do AI5. Era militante da APML e por isso fui preso varias vezes, julgado e condenado a seis meses de prisão. Com o processo de redemocratização participei da fundação do MDB jovem e logo que começaram as articulações para a fundação do PT me envolvi com o processo aqui na Bahia. Fui membro da primeira executiva do PT junto, entre outros, com o Governador Wagner.

Campanha de Lula em 1989
OE!- Os insucessos eleitorais do projeto ‘Lula presidente’ repercutiram de qual forma para a caracterização do PT?

Gabrielli - Insucessos??? O PT surgiu para fortalecer a luta INSTITUCIONAL dos trabalhadores e por isso tinha que participar do processo eleitoral, acumulando forças no parlamento, em todos os níveis, assim como dirigindo os executivos. As chapas majoritárias sempre tiveram esse papel. Em 1989 contra Collor fomos ao segundo turno e tivemos que enfrentar os problemas de ampliação da política de alianças. Em 1994 o Plano Real e o combate a inflação nos derrotaram. Acumulamos força e vencemos em 2002.


OE! - O que representou a vitória de Lula em 2002?

Gabrielli - A possibilidade de realizarmos institucionalmente parte de nossos sonhos de transformação. Mudamos a agenda política do país tirando os temas relacionados ao estado mínimo, integração subordinada a globalização e desenvolvimento excludente para colocar no centro da política os temas relacionados a redução da pobreza, inclusão social e novo papel do estado na promoção da cidadania e participação social. Os temas relacionados ao desenvolvimento, ausentes da pauta política por mais de 20 anos, como a infra-estrutura, energia, necessidades básicas voltaram com toda força.

Dilma e Lula
OE! - Lula conseguiu ajudar na eleição da companheira Dilma, o que representa uma continuidade do projeto. Após um ano de mandato da presidenta, existem diferenças fundamentais entre os dois governos?

Gabrielli - Acho que o governo Dilma é a continuidade do Governo Lula com maior ênfase nas questões relacionadas ao crescimento econômico.

OE! - O senhor como um dos melhores quadros técnicos e políticos do PT e como economista, de certo, foi chamado a contribuir com a política econômica do governo. O Brasil é um país seguro economicamente? As políticas de compensação de renda contribuíram em que proporção para este novo momento do país? Qual o limite desta política?

Gabrielli - Primeiro não me caracterizo como você faz. Obrigado. É difícil uma resposta sintética, mas vamos tentar. A distribuição da renda, redução da pobreza foram fundamentais para a expansão do mercado interno e enfrentar a crise internacional. A disponibilidade de reservas internacionais eliminou um dos principais obstáculos ao nosso crescimento continuado dos últimos 100 anos:o risco cambial. A expansão do investimento Publico contra ciclicamente foi instrumental na manutenção do crescimento enquanto o mundo desenvolvido entrava em recessão. Os limites da continuidade do crescimento estão na velocidade de superação dos obstáculos da infra-estrutura.

OE! - Como o senhor caracteriza o governo Wagner?

Gabrielli - Um governo que está fazendo um fantástico trabalho de resgate da cidadania no estado depois de muitos anos de autoritarismo. Um governo que avança nos programas de distribuição de renda, tanto no que se refere aos rendimentos familiares, como na disponibilidade de serviços públicos. Os grandes projetos estruturantes estão delineados e avançam na implementação.

OE! - O senhor considera esgotado o modelo de desenvolvimento industrial experimentado no sul e sudeste do país? Qual o modelo de desenvolvimento para o nordeste e para a Bahia?

Gabrielli - Outra questão difícil de responder sinteticamente. Não considero esgotado o modelo. Acho que políticas de inclusão social tiveram mais impactos no Nordeste e portanto criaram condições para um novo ciclo de desenvolvimento na região, estruturado em torno do mercado interno.

Campanha da UNE
OE! - O senhor acha correto destinar 50% do fundo pré-sal para a educação?

Gabrielli - Não acho. O Fundo Social pode até utilizar mais de 50% na Educação em certos momentos, desde que voltados para projetos que transformem o estado do sistema educacional. O percentual fixo me parece inadequado para um recurso que tem por função TRANSFORMAR os sistemas atuais para deixar legados para gerações futuras.

OE! - O senhor esta distante da UFBa muitos anos e algumas coisas aconteceram desde então. Como o senhor avalia, mesmo que de forma limitada, o desenvolvimento dos acontecimentos nesta Universidade do ponto de vista da administração?

Gabrielli - Ainda é muito cedo para ter uma opinião pois estou fora nos últimos nove anos.

OE! - Para encerrar, gostaríamos de fazer a pergunta que toda imprensa tem feito sobre o seu retorno. O senhor é candidato ao governo da Bahia em 2014?

Gabrielli - As eleições de 2014 estão muito distantes. Nesse momento, a minha tarefa é fazer parte da equipe do Governador Wagner, utilizar minha experiência para colaborar com o time e transformar os projetos em realidade. O processo eleitoral em curso é a eleição de Prefeitos e Vereadores nos municípios.


OE! - O Coletivo O estopim agradece a sua atenção e deseja-lhe sucesso na nova função de secretário de Estado. Esperamos vê-lo presente também na vida política da UFBa e no movimento de educação do nosso Estado.

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