9 de abril de 2014

As Comissões da Verdade e a Justiça de Transição no Brasil


* Leandro Coutinho

A partir da criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em maio de 2012, centenas de comissões da verdade vem sendo criadas por todo Brasil. Mas afinal, para que serve mesmo esses colegiados e, sobretudo, qual a contribuição que eles podem oferecer à Justiça de Transição que há pouco mais de trinta anos vigora no país?

Essa discussão não vem de agora. Desde os últimos anos da ditadura militar, inúmeras ações vêm sendo tomadas na perspectiva da consolidação da democracia no país. Dentre elas temos a abertura dos arquivos desse período, a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a Comissão de Anistia, no âmbito do Ministério da Justiça e a criação do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, denominado Memórias Reveladas.
Outras contribuições vieram também a partir da criação, na década de noventa, do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Instituído pelo Decreto Lei n° 1904, de 13 de maio de 1996, esse plano já possui três versões. A última, de 2009, é estrutura em eixos orientadores, sendo o último o Direito à Memória e à Verdade, tendo como objetivo “afirmar a importância da memória e da verdade como princípios históricos dos Direitos Humanos”, segundo o texto oficial.
A última edição desse programa, o PNDH-3, em conjunto com parte da Sociedade Civil, em especial as organizações ligadas aos direitos humanos, foram decisivas para a criação da CNV em 2012. Esse colegiado, segundo a lei que o regulamenta, foi criado “com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. 

O Brasil viveu de 1964 a 1985 um conturbado período em sua história. O autoritarismo, típico de regimes ditatoriais, em consonância com o cerceamento da liberdade de expressão e a constante violação dos direitos humanos, foram à tônica no país durante esses 21 anos de ditadura.    
Assim a CNV, bem como as outras comissões da verdade pelo Brasil, estão desempenhando um importante papel no sentido de reconstituir nossa memória nacional. Elas são responsáveis por nos revelar os crimes da ditadura cometidos pelos agentes do Estado, assim como recomendar ações para que se supere os vestígios desse período na atualidade.

Porém nem tudo são flores. Se avaliarmos friamente os moldes da CNV, veremos que sua estrutura sofre grande influência de setores conservadores que não veem com bons olhos esse colegiado, consequência do governo de coalizão que temos hoje no Brasil. Esses mesmos segmentos, à época da ditadura, se colocaram em apoio as Forças Armadas, e temem serem expostos publicamente pela comissão. 
O debate em relação às comissões da verdade não pode nem deve parar na apuração dos fatos e sua consequente divulgação. Uma nova leitura da Lei de Anistia é preciso. Instituida em 1979, essa lei anistiou todos os que cometeram crimes políticos ou correlatos entre os anos de 1961 e 1979. Assim, tivemos no Brasil uma anistia de mão dupla, onde tanto os que resistiam ao novo regime quanto os que reprimiam esses foram perdoados.
O Brasil avança, apesar de modestamente, em sua Justiça de Transição. Contudo o que temos hoje está muito longe do ideal. E as comissões da verdade vem contribuindo nesse debate, reconstituindo nossa memória acerca desse período e contribuindo para a consolidação da democracia no país.
* É diretor de direitos humanos da União dos Estudantes da Bahia (UEB), militante do Coletivo O Estopim! e membro da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Nenhum comentário:

Postar um comentário