* Leandro Coutinho
A partir da criação da Comissão Nacional da
Verdade (CNV), em maio de 2012, centenas de comissões da verdade vem sendo criadas por
todo Brasil. Mas afinal, para que serve mesmo esses colegiados e, sobretudo,
qual a contribuição que eles podem oferecer à Justiça de Transição que há pouco mais de
trinta anos vigora no país?
Essa discussão não vem de agora. Desde os últimos anos da ditadura militar, inúmeras ações vêm sendo tomadas na perspectiva da consolidação da democracia no país. Dentre elas temos a abertura dos arquivos desse período, a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a Comissão de Anistia, no âmbito do Ministério da Justiça e a criação do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, denominado Memórias Reveladas.
Outras contribuições vieram também a partir da
criação, na década de noventa, do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH).
Instituído pelo Decreto Lei n° 1904, de 13 de maio de 1996, esse plano já
possui três versões. A última, de 2009, é estrutura em eixos orientadores,
sendo o último o Direito à Memória e à Verdade, tendo como objetivo “afirmar a
importância da memória e da verdade como princípios históricos dos Direitos
Humanos”, segundo o texto oficial.
A última edição desse programa, o PNDH-3, em
conjunto com parte da Sociedade Civil, em especial as organizações ligadas aos
direitos humanos, foram decisivas para a criação da CNV em 2012. Esse
colegiado, segundo a lei que o regulamenta, foi criado “com a finalidade de
examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos, a fim de
efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação
nacional”.
O Brasil viveu de 1964 a 1985 um conturbado
período em sua história. O autoritarismo, típico de regimes ditatoriais, em
consonância com o cerceamento da liberdade de expressão e a constante violação
dos direitos humanos, foram à tônica no país durante esses 21 anos de
ditadura.
Assim a CNV, bem como as outras comissões da
verdade pelo Brasil, estão desempenhando um importante papel no sentido de
reconstituir nossa memória nacional. Elas são responsáveis por nos revelar os
crimes da ditadura cometidos pelos agentes do Estado, assim como recomendar
ações para que se supere os vestígios desse período na atualidade.
Porém nem tudo são flores. Se avaliarmos
friamente os moldes da CNV, veremos que sua estrutura sofre grande influência
de setores conservadores que não veem com bons olhos esse colegiado, consequência do governo de coalizão que temos hoje no Brasil. Esses mesmos
segmentos, à época da ditadura, se colocaram em apoio as Forças Armadas, e
temem serem expostos publicamente pela comissão.
O debate em relação às comissões da verdade
não pode nem deve parar na apuração dos fatos e sua consequente divulgação. Uma
nova leitura da Lei de Anistia é preciso. Instituida em 1979, essa lei anistiou
todos os que cometeram crimes políticos ou correlatos entre os anos de 1961 e
1979. Assim, tivemos no Brasil uma anistia de mão dupla, onde tanto os que
resistiam ao novo regime quanto os que reprimiam esses foram perdoados.
O Brasil avança, apesar de modestamente, em
sua Justiça de Transição. Contudo o que temos hoje está muito longe do ideal. E
as comissões da verdade vem contribuindo nesse debate, reconstituindo nossa
memória acerca desse período e contribuindo para a consolidação da democracia no
país.
* É diretor de direitos humanos da União dos
Estudantes da Bahia (UEB), militante do Coletivo O Estopim! e membro da
Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da Universidade Federal da Bahia
(UFBA).
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