18 de abril de 2014

Por uma Comissão de Reparação da Ditadura Militar no Brasil

* Vilma Leahy


Frente ao panorama atual que vive o Brasil, em resgate à memória e a verdade aos 21 anos sangrentos vividos pelo país sob o regime militar, de 1964 a 1985, é relevante assumir a participação dos Estados Unidos da América, que, com seus membros ativos, Dean Rusk (secretário do estado americano), Lincoln Gordon (embaixador americano no Brasil), John Kennedy (presidente dos EUA no período de 1961-1963), Richard Goodwin (conselheiro do presidente Kennedy), Lyndon B. Johnson (presidente dos EUA no período de 1963-1969), Vernon Walter (general do exército americano) e agentes da CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA), financiaram e comandaram o golpe de estado que depôs o presidente João Goulart e deu início a esse período trágico de torturas, mortes e desaparecimentos de vítimas pela repressão militar.

A aproximação dos militares brasileiros com os americanos se deu no período da Segunda Guerra Mundial, onde ambos lutaram contra Hitler, líder da Alemanha nazista, país do Eixo. Os EUA tinham como membro principal de cooperação o oficial Vernon Walters, que comandava as tropas do exército. O período pós-guerra foi de muito intercâmbio entre oficiais brasileiros e americanos, onde centenas de brasileiros foram estudar no exterior. Principalmente na Escola das Américas no Panamá - centro de treinamento criado pelos Estados Unidos, e na National War College, onde surgiu a inspiração para Escola Superior de Guerra no Brasil. A partir disso, o oficial Vernon Walter articulado juntamente com os militares brasileiros compartilhavam da mesma ideia: eliminar o comunismo.

Há materiais que comprovam amplamente a participação dos EUA no período militar, como o documentário “O dia que durou 21 anos”, que revela com gravações oficiais as articulações dos membros do governo americano e dos militares brasileiros contra o presidente João Goulart, que governava o Brasil na época. A preocupação dos Estados Unidos com o destino político que o país assumia não se limitava apenas ao Brasil. Pois, segundo o professor canadense de história dos Estados Unidos na USP, Sean Purdy, os Estados Unidos, junto com a CIA, tinham participado de no mínimo 26 golpes de Estado durante a Guerra Fria.

O apoio financeiro ao golpe militar superou a marca dos milhões. Na gestão de Kennedy, os EUA começaram a negar qualquer tipo de financiamento ao Brasil, para evitar qualquer tipo de crescimento da esquerda brasileira. O programa “Aliança para o Progresso”, criado na gestão de Kennedy, distribuiu entre os adversários de Jango US$ 5 milhões – metade do que havia custado a campanha presidencial de Kennedy em 1960. Gastaram US$ 60 mil em livros para os oficiais brasileiros e só em 1963 organizaram filmes “progressistas” em quartéis, bases, escolas e navios para os aliados brasileiros do regime. Em menos de um mês depois do golpe, os americanos aprovaram o envio de US$ 1 bilhão para o presidente Castello Branco, o que motivou o Banco Mundial e o FMI a também liberarem recursos.

Em referência a um período sofrido da história da humanidade, no qual populações de nações africanas sofreram por séculos a escravidão dura e fria imposta pelo império inglês junto às nações aliadas que utilizaram do tráfico de escravos para seu crescimento e desenvolvimento, foi-se criada em 1999 a Comissão da Verdade do Mundo Africano para Reparações e Repatriamento (African World Reparations and Repatriation Truth Comission), em Acra, capital de Gana, país africano. Tal comissão aprovou uma intimação de reparação na qual exigia que todas as nações da Europa ocidental, das Américas e de instituições que participaram e se beneficiaram do comércio de escravos e do colonialismo deveriam pagar a quantia de US$ 777 trilhões.

A quantia foi estimada baseada no roubo do ouro, diamantes e outros minerais levados do continente africano no período da colonização e também pelos crimes cometidos pelo império britânico e demais países que conjuntamente comercializaram cerca de 10 milhões de africanos, e que desse número, 3 milhões dos africanos foram transportados por navios britânicos. Por tal crime cometido, supõe-se que os ingleses pagaram 150 trilhões de libras.

A reivindicação recebeu apoio da Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em Durban, cidade da África do Sul, em 2001. Foi-se concluído pelo relatório final da Conferência que os casos ocorridos foram crimes contra a humanidade que tiveram vítimas da África, Ásia, descendentes de asiáticos e indígenas. Relatou-se também que não houve preocupação sobre a escravidão, comércio de escravos, apartheid e genocídio por parte dos países opressores. Tal relato foi declarado em um chamado geral aos países membros da ONU a honrar a memória das vítimas de tragédias passadas. Os demais países que desse crime foram responsáveis, pediram desculpas e pagaram pelas reparações e violações cometidas em massa, convocados pela Conferência para dar dadas contribuições. 

Tratando-se de crimes graves que afetam os Direitos Humanos, tanto o de tráfico de escravos no período do império inglês, tanto os crimes de tortura, mortes e desaparecimento de corpos ocorridos no período da ditadura militar, é de justa causa haver no Brasil uma Comissão de Reparação, no qual se exigirá dos Estados Unidos da América um ato simbólico de desculpas e uma quantia estimada por terem financiado e planejado amplamente o golpe de estado de 64 seguido de perseguições políticas, torturas, mortes e desaparecimento de corpos de presos políticos.

É de relevância salientar que não apenas o Brasil sofreu tais crimes, mas também países da América do Sul como Argentina, Uruguai, Paraguai, etc. Nos quais, supostamente, representariam forças de apoio à proposta de implantação de tal Comissão de Reparação e, conjuntamente, ajudariam a estimular o ato simbólico e estimar o valor exigido aos Estados Unidos da América, país responsável por tais crimes.

* É estudante de Letras da UFBA e militante do Coletivo O Estopim!. 

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