10 de junho de 2013

A queda do Rei

“Pois a crosta apresentada pela vida de mentiras é feita de um estranho material. Ao se selar hermeticamente a toda a sociedade, ela parece feita de pedra. Mas, no momento em que alguém atravessa algum ponto,
quando alguém exclama “O imperador está nu!”- quando se quebram as regras do jogo, assim expondo-o como um jogo -, tudo de repente aparece a uma outra luz e então a crosta inteira parece feita de pano esgarçado, desintegrando-se de maneira incontrolável” . Václav Havel, “O poder dos sem poderes”, 1978.

A Universidade Federal da Bahia encontra-se ainda no Medievo. A relação historicamente conflituosa entre o público e o privado, a essência patrimonialista e a indisposição política em tornar os órgãos colegiados e conselhos superiores- teórica e regimentalmente democráticos e representativos- efetivos centros dos quais emanam as deliberações, tornam eloquente a ideia de que a UFBA ainda não passara pela revolução burguesa no sentido clássico do termo.

O nascimento e edificação histórica da universidade pública brasileira muito demonstram á quem ela serve e para quem seu conhecimento é voltado. Vale trazer uma citação ilustrativa do posicionamento de Ambrósio Reis, diplomata notável da política externa portuguesa e intelectual lusitano que vinha defendendo, com ardor, o regresso da Família Real para Portugal, e endereçou carta a Antônio de Araújo de Azevedo, ministro de Dom João VI e futuro Conde da Barca, expressando seu temor pela criação de uma universidade no Brasil:

“Um tal estabelecimento (a Universidade)– continua ele – além de dever ser fatal ao mesmo Brasil, o seria ainda a toda a Monarquia, pois cortaria quase o único fio de dependência em que o nosso Reino ainda se acha da Metrópole, e aumentaria nesta o grande descontentamento que infelizmente ouço ali vai grassando por irem já tardando àquele povo leal e brioso as sábias providências que S. Majestade acertadamente medita pôr em prática para acrescentar a recíproca dependência e perpétua união dos dois principais membros da Monarquia.”


A UFBA, construída sob a lógica de Unidades descentralizadas com elevado grau de independência, ao longo de sua história não somente voltara sua produção para a classe dominante como também baseou sua estrutura organizacional e desenho institucional em espaços nos quais a fragilidade dos órgãos teoricamente democráticos em efetivar-se na pratica reforçaram suas contradições: a Universidade tem dificuldade em enxergar-se e portar-se como um todo. A problemática histórica da Pró- reitoria de Pesquisa, Ciência e Inovação em relacionar-se com o Conselho Universitário ajuda-nos a compreender o fenômeno.

Há relação direta entre o arranjo institucional desta egrégia instituição e sua incapacidade em faze-los potentes. A institucionalidade, os órgãos deliberativos e o poder de decisão do CONSUNI e das
congregações, que em determinada medida foram priorizados com a aprovação do Estatuto e Regimento Geral da UFBA em 2010, são interpretados pelos setores conservadores - muitos desses autoproclamados de esquerda- como um belo teatro a ser encenado. Em muitos casos o dirigente sente-se o Rei, e a Universidade apenas seu balcão de negócios.

As fundações estatais de direito privado tornam-se atrizes centrais nesse debate. Se por um lado, a própria demanda da Universidade em receber "suporte a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico das instituições apoiadas, e, primordialmente, ao desenvolvimento da inovação e da pesquisa e da pesquisa cientifica e tecnológica, criando condições mais propicias a que as instituições apoiadas estabeleçam relações com o ambiente externo" (Decreto N 7.423 de 31 de dezembro de 2010) revela a sua indisposição histórica em reforça-se enquanto instituição pública, assim abrindo de maneira intencional, flanco para interesses privados, por outro, nem mesmo as regras e a legislação vigente que tratam da questão são respeitadas.

A Fundação Faculdade de Direito da Bahia tem dificuldade de seguir sua própria normatização. Poderíamos aqui enumerar as mais variadas "irregularidades", tais como existência e funcionamento de projetos sem aprovação do órgão competente e em acordo com o Plano de Desenvolvimento Institucional, utilização permanente de servidores e espaço físico da Universidade, ausência de prestação de contas - parciais e finais- assim como gestão de cerca de R$3.000.00,00 á revelia da Instituição apoiada ( RAINT 2012 e CGU 2012). No final das contas, quem apoia quem?

Os órgãos de controle interno da UFBA - Conselho de Curadores via Controladoria de Controle Interno- quanto a própria Controladoria Geral da União em 2012 evocaram históricos erros, que nos arremetem ás mais diversas Administrações Centrais desta Instituição, e que sobretudo colocam em cheque a própria paz institucional. A sessão do Conselheiro Universitário que apreciaria a referida questão não deveria aprofundar-se um pouco mais sobre isso? Não deveria este egrégio conselho, órgão máximo de deliberação no âmbito da democracia (burguesa) universitária estuda-lo com mais afinco, dada a própria indicação da CGU das graves e recorrentes debilidades dos órgãos de controle da UFBA? A apreciação de recursos públicos da ordem de R$1.200.00,00 assim são tradicionalmente tratados sob o paradigma do fato consumado.

A relação conflituosa entre público e privado não apenas reforçam a essência patrimonialista desta instituição como a colocam em vulnerabilidade: como pode conceber-se que o mesmo cidadão seja o Diretor da Faculdade de Direito, presidente da Fundação de Direito da Bahia e ainda assim presidente do órgão máximo de fiscalização da UFBA Conselho de Curadores? Cabe aqui lembrar as competências do referido Conselho. São elas,segundo o Estatuto e Regimento Geral da Universidade:

Art. 27. São atribuições do Conselho de Curadores:

I - exercer a fiscalização econômico-financeira na Universidade, mediante:

a ) emissão de parecer sobre a proposta orçamentária e as alterações

no orçamento-programa sugeridas pela Reitoria;

b ) exame, a qualquer tempo, dos documentos da contabilidade da

Universidade;

c ) emissão de parecer sobre a prestação de contas do Reitor, a ser

submetida à aprovação do Conselho Universitário;

d ) emissão de parecer sobre projetos submetidos pela Reitoria, que

envolvam a utilização de fundos patrimoniais, operações de

crédito ou a criação de fundos especiais, assim como doações e

legados que criarem encargos financeiros para a Universidade;

II - aprovar o Plano Anual de Atividades elaborado pela Coordenadoria

de Controle Interno;

III - apreciar quaisquer outros assuntos que importem à regularidade

econômico-financeira da Universidade;

IV - apreciar, de oficio ou mediante provocação, a qualidade do gasto

público na Universidade, examinando-o sob o aspecto da legalidade,

economicidade, razoabilidade e eficiência, recomendando ao

Conselho Universitário as medidas que se façam necessárias;

V - determinar à Coordenadoria de Controle Interno a realização de

auditorias para verificação da execução de contratos e, eventualmente,

a apuração de irregularidades no gasto público;

VI - elaborar, modificar e aprovar seu próprio Regimento interno.

Trata-se não apenas de uma contradição em termos, como uma afronta direta á legalidade, institucionalidade e princípios da moralidade, impessoalidade que regem a Administração Pública. É no mínimo capciosa a presença do Professor Celso Castro nessas instancias, assim tornando a coisa pública fantoche de lúgubres interesses privados. Coube á representação estudantil no Conselho Universitário a tarefa de porta-re como o menininho que aponta nudez do rei, assim pedindo vistas e derrubando o conservador professor de seu trono.

A queda do Rei dos Juristas, assim como o tão insultado pedido de vistas impetrado pela representação estudantil na sessão do Conselho Universitário referente á prestação de contas 2012 são o estopim do enfrentamento em prol da Universidade pública, gratuita e de qualidade, na qual reinem seus espaços máximos e democráticos de decisão.Ocupar os espaços institucionais, disputá-los e dialeticamente criar mecanismos sociais e de massas que superem a lógica parlamentar são desafios postos no tabuleiro.

Salvador, 10 de Junho de 2013.

Coletivo O Estopim! Incendiando Corações e Mentes.

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