11 de fevereiro de 2012

Democracia esvaziada na terra de Rousseau

*Marina Fernandes
**Gerson Costa

Há cerca de três anos deu-se inicio ao processo que faz-se hoje comprovado de hecatombe dos valores ocidentais,tradicionalmente regidos sob a os paradigmas da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. A França, país tipicamente reconhecido por sua intelectualidade e respeito aos mais fundamentais direitos de homens e mulheres, expôs suas vísceras a partir do processo de migração, sobretudo africana e árabe, à terra de Rousseau. Se por um lado, aos franceses fora interessante admiti-los para cumprirem cargos de baixa remuneração, por outro sua entrada só foi efetivada diante de uma democracia que apenas atende á ricos europeus : os imigrantes são vitimas diárias de humilhações cuja ordem é racista e eurocêntrica.

A proibição do uso da burca á mulheres muçulmanas é o auge dessa contradição. O presidente Nicolas Sarkozy, representante das elites francesas, ministrado sob a argumentação de respeito ás mulheres e proteção ás liberdades individuais vetou o uso da burca em espaços públicos,interpretando-a como ofensa aos valores construídos ao longa da historia francesa e ocidental e ás mulheres de maneira geral. No entanto, pesquisas recentes comprovam que, dos 6 milhões de imigrantes, entre homens e mulheres residentes no país, apenas 2 mil mulheres utilizam a burca, e assim afirmam faze-lo não por obrigação de seus maridos, mas como uma forma de identificação á sua própria cultura de origem.

A interpretação do real significado da burca vai além do senso comum. Se em seus países de origem ela de fato representa uma forma de opressão violenta á mulher, a sua utilização em países como a França não se estabelece como tal. Não há obrigação compulsória a seu uso. Sua existência porta-se como um ato de resistência e assimilação de seus valores, um ato de profundo respeito pela religião professada. A França,com isso, vive sob a lógica da ditadura da cultura ocidental, mascarada em falsos- e pseudo democráticos- panos iluministas..

A burca é, nesse caso,o símbolo da negação á cultura muçulmana, que aos europeus tanto inquieta. Trata-se de desrespeito não só ás suas mulheres, mas á sua capacidade de discernimento. “Eu quero me vestir como bem entender. Não fico reclamando daquelas ocidentais que saem por aí seminuas, por que elas têm que questionar o que eu uso?”, declarou uma delas. Tratar o mundo muçulmano como algo exterior á cultura francesa é falsear a própria história.

Simultaneamente ao veto á burca , aprecia-se e encoraja-se a idéia da mulher-objeto. Todo e qualquer recanto francês- e também ocidental- assiste á mulheres propaganda, loiras, magras, seminuas e submissas á verve da aparência como único caminho viável á existência feminina. O olhar sob a mulher é regido por premissas racistas, machistas e tipicamente capitalistas. Estou nua,logo existo.

Com efeito, o veto do governo Francês ao uso do véu integral (burca) por mulheres mulçumanas representa em última instância uma imposição ao monoculturalismo etnocêntrico, pois envolve diretamente a negação de uma manifestação cultural inerente a religiosidade dessas mulheres, além de ferir as liberdades individuais, inclusive já consagradas na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789; Charles Taylor em sua obra “Multiculturalismo, Diferença e Democracia” alerta para o perigo de uma política identitária ultrapassar o limite da liberdade individual. Assim, o relativismo cultural representa uma ameaça não só aos Direitos Humanos, mas também a democracia.

A França, mãe de feministas como Simone de Beauvoir , Olympe de Gourges e Maria Baderna parece não perceber o vazio de sua democracia, o futuro trágico de sua economia e incongruência de seus valores. A negação da cultura muçulmana atua, na verdade, como afirmação desesperada de sua própria cultura, como num grito agonizante e acima de tudo desrespeitoso. E como diria a antropóloga britânica Cecilia Mccallum, o problema do excesso de relativismo é deparar-se com o niilismo, e com isso á gratuita violência.Pertinente é a pergunta: oprimir para libertar?

*Marina Fernandes é estudante de Ciências Sociais, Diretora de Direitos Humanos e LGBT do DCE - UFBA e militante do Coletivo O Estopim!

**Gerson Costa é estudante de Direito, Diretor de Assistência Estudantil do DCE - UFBA e militante do Coletivo O Estopim!

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