17 de junho de 2011

Advogado da União constrange Dilma

Wálter Maierovitch
Carta Capital



O advogado Geral da União, Luís Adams, acaba de colocar a presidente Dilma Roussef em situação embaraçoso. Adams, perante o Supremo Tribunal Federal e nos autos do processo que deu, por 7×2 votos, pela constitucionalidade da lei de Anistia de 1979, desconsiderou a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Segundo decisão da CIDH o Brasil está obrigado a investigar todos os crimes de lesa-humanidade e os militares elaboraram uma autoanistia.



Da tribuna do STF, o advogado geral Adams sustentou que todos os crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985) estão sob o manto dessa legislação, ou seja, são impunes.



Além de cassar a decisão da CIDH, o advogado Adams, —que no processo falou em nome do governo Dilma Roussef–, entende que a decisão do STF deve prevalecer sobre a da CIDH. No particular, tem a mesma e canhestra posição do ministro Nelson Jobim, aquele que, — conforme confessou em livro laudatório–, inseriu artigos na Constituição que não passaram pelos constituintes.



O momento não poderia ser pior para Dilma. Isto porque está em curso uma ação civil publica ajuizada contra o tenente-coronel Maurício Lopes Lima, dois outros oficiais do exército e um da polícia militar. Consoante observou o jornalista Luiz Cláudio Cunha, o oficial Maurício torturou nossa presidente Dilma Rousseff.



Não dá pra acreditar que a presidente Dilma tenha mudado de lado. Além de apoiar Sarney, Collor e Jobim, que querem esconder dos brasileiros documentos históricos.



Eternos segredos e impunidades



Os processos legislativos sobre o acesso à informação pública e à criação da Comissão da Verdade, a ser formada por sete membros, não podem continuar a ser tratados de forma desvinculada, como se possuíssem conteúdos estranhos e não comunicantes. Conferir, por exemplo, rito especialmente urgente apenas para um desses dois projetos legislativos significa capitular a interesses subalternos.



A Comissão da Verdade estava adormecida no Congresso. De repente, percebeu-se que ela poderia ser a tábua de salvação. Isto para driblar e retardar o cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a cuja jurisdição o Brasil está vinculado. Em outras palavras, o Brasil está obrigado a cumprir as sentenças da Corte Interamericana, quer queiram, quer não, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Nelson Jobim.



Segundo a Corte Interamericana, o Brasil editou, imposto pela ditadura, uma lei de autoanistia. Essa legislação, que padece do vício da ilegitimidade, restou concebida para pessoas certas, ou melhor, beneficiou e conferiu impunidade aos que perpetraram, a serviço do regime de exceção, terrorismo de Estado. A Lei da Anistia de 1979 propiciou – e recentemente teve a chancela do STF por meio do voto do então ministro Eros Grau, de triste memória – impunidade àqueles que, para manter a ditadura, mataram, torturaram, sequestraram e desapareceram com corpos.



No processo, a Corte Interamericana apreciou o desaparecimento de guerrilheiros no Araguaia, 41 deles sob detenção militar. Apenas para lembrar, no Brasil, durante a ditadura de 1964 a 1985, foram assassinados, por motivação – -ideológica e resistência ao regime, 144 conacionais. E continuam desaparecidos 125 brasileiros que estavam sob- custódia- fardada. O governo brasileiro, no momento, está sendo cientificado da decisão da Corte Interamericana, que aguardará informações e providências. Está claro que a tentativa de aprovação no Congresso da cláusula de “urgência-urgentíssima” ao projeto de Comissão da Verdade deve-se à necessidade de se dar uma resposta, ainda que insincera, à Corte.



Segundo o deputado Brizola Neto, até os militares, pela voz do ministro Jobim, estão de acordo com a tal urgência. Ora, muitos deles apostam todas as fichas na confirmação da tradição brasileira de constituir, para não resolver, uma comissão. Mais ainda, dar a ela atribuições investigatórias de fatos históricos diversos: ditadura Vargas, regime militar, Guerra do Paraguai, Coluna Prestes e o que mais couber.

Existe forte resistência em aceitar a ilegitimidade da Lei da Anistia de 1979, proclamada pela Corte Interamericana. Esta, e até a venda da Têmis sabe, é possuidora de respaldo constitucional suficiente para um fim de questão, um tollitur quaestio, como diriam os romanos. O governo brasileiro, sem sucesso, já chegou a enviar à Corte o advogado e ex-ministro Sepúlveda Pertence, com a missão de sustentar o acerto da decisão do STF, pelo qual a anistia foi ampla e irrestrita. Na visão militar, defendida por Jobim e numa canhestra interpretação própria às repúblicas bananeiras, a decisão do Supremo Tribunal Federal seria soberana.



A deputada Luíza Erundina, pelo que circula na Câmara, será a relatora do projeto sobre a Comissão da Verdade e, também, quanto ao regime de urgência-urgentíssima. Ela sabe da importância da decisão da Corte Interamericana e também de estar em curso, com base nela, uma ação civil pública ajuizada contra o tenente-coronel Maurício Lopes Lima, dois outros oficiais do Exército e um da Polícia Militar. Consoante observou o jornalista Luiz Cláudio Cunha, o oficial Maurício torturou nossa presidenta Dilma Rousseff e, ao mandar torturar frei Tito, deu-lhe um pré-aviso: “Você vai conhecer a sucursal do inferno”.

Nesta semana, noticiou-se, a respeito da Lei de Acesso à Informação Pública, já emendada na Câmara e que tramita no Senado em regime de urgência, o sucesso da pressão dos senadores Sarney e Collor junto à presidenta Dilma. Querem mais tempo para discussões. Usaram de eufemismo, e espera-se que Dilma o perceba, para derrubar a “urgência” e a emenda da Câmara que estabeleceu sigilo pelo prazo máximo e improrrogável de 30 anos. A dupla almeja o sigilo eterno a documentos ultrassecretos.



Os dois senadores fingem esquecer que a transparência representa um dos alicerces do Estado Democrático e de o cidadão brasileiro contar com o direito natural à verdade. Manter sigilo não significa apenas esconder atos dos trágicos governos Sarney e Collor. A meta, mantido o segredo, é poder levantar uma questão de Estado para não atendimento de solicitações da futura Comissão da Verdade e de requisições do Ministério Público e da Justiça. Em resumo, mais um desserviço.





Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP

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