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Desde que chegou a Caetité, na Bahia, Pe. Osvaldino Barbosa engajou-se na luta por transparência em relação à exploração de urânio na região. A cultura do silêncio é explícita na cidade.
Primeiro porque as pessoas depositavam confiança e esperança na vinda da empresa que explora o urânio e, depois, porque a empresa impôs o silêncio para que os poucos empregos ofertados fossem mantidos. No entanto, a população cansou de tamanho descaso para com sua dignidade e saúde.
“Não existe nenhum estudo sobre a saúde da população, assim como não existe o cumprimento das condicionantes determinadas pelo Ibama”, afirmou Pe. Osvaldino na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. Ele afirma que o único estudo que existe não levou em conta que quase 40% dos óbitos que ocorrem em Caetité são considerados causas não identificadas.
Com a vinda de uma dezena de carretas contendo lixo atômico para Caetité, Pe. Osvaldino e outros líderes comunitários mobilizaram a população para que não permitissem a entrada desse material que, até então, nunca havia sido depositado na cidade. “
O comum de Caetité é sair comboio com urânio para o porto de Salvador. Nunca houve entrada de comboio com material radiativo. Como os movimentos populares são inquietos, e questionam o Programa Nuclear Brasileiro como um todo, eles se mobilizaram contra essa entrada de material porque a população temeu que fosse lixo atômico para ser depositado na cidade”, explicou.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor se envolveu com a luta contra a mina de urânio em Caetité?
Vai fazer cinco anos que assumi a paróquia de Caetité, que é formada por dois municípios: Caetité e Lagoa Real. Eles representam uma extensão de três mil quilômetros e uma população de 60 mil habitantes, desenvolvida em 174 Comunidades Eclesiais de Base – CEBs.
Já no passado, quando foram instaladas as minas e as jazidas de urânio em Caetité, a Igreja se posicionou, através de uma religiosa chamada Irmã Ida, que acompanhava o povo, alertando para os riscos que iriam enfrentar, e previa o que a população iria encarar no momento em que a mina estivesse funcionando.
Quando cheguei, comecei a visitar as comunidades. Irmã Ida já fazia um bom tempo que tinha sido transferida daqui. Percebi que o distrito de Caetité é o que tem a maior concentração de comunidades rurais. Esse distrito compõe a maior área pastoral dentro da paróquia; ele possui 45 comunidades eclesiais. Dessas, cerca de 20 são diretamente atingidas, visto que ficam bem próximas à mina de urânio.
Com isso, fiz um levantamento para saber como é que andava a situação da população que teve sua vida modificada em função da exploração de urânio. Percebi que muitas comunidades viviam sob um silêncio imposto pelos dirigentes e pessoas ligadas às empresas.
Com o passar do tempo, adquiri confiança das pessoas que começaram contar suas dificuldades, principalmente em relação ao acesso e à qualidade da água. A empresa abriu, através de comodato, vários poços artesianos e cedia parte desta água para as famílias da região. No entanto, a maior parte da água era utilizada pela empresa para poder minerar urânio. Isso porque os seus processos de lixiviação [1] têm muita demanda de água.
Como essa cultura do silêncio foi imposta aos moradores da região?
A principal característica estrutural da empresa é que ela carrega, na sua legislação, o silêncio. A sua comunicação não passa de panfletos de propagandas. Além disso, ela pressionava os trabalhadores ameaçando-os de demissão caso contem sobre os processos vividos dentro da empresa para alguém de fora. O pessoal daqui tem uma índole muito boa. Desta forma, depositaram muita confiança na empresa que prometia desenvolvimento e crescimento para a região. Eu posso dizer que a população foi enfeitiçada pela “flauta mágica” do emprego que não chegou.
Por que vocês bloquearam a entrada dessas carretas?
Porque nunca, que se tenha conhecimento, entrou uma quantidade de lixo nuclear como aquela carregada pelos caminhões que entraram na cidade na última semana. O comum de Caetité é sair comboio com urânio para o porto de Salvador. Nunca houve entrada de comboio com material radiativo. Como os movimentos populares são inquietos, e questionam o Programa Nuclear Brasileiro como um todo, eles se mobilizaram contra essa entrada de material nuclear porque a população temeu que fosse lixo atômico para ser depositado na cidade.
Qual tem sido o seu impacto sobre a vida do município e da população? Quantas pessoas precisam da mina para sobreviver?
A empresa emprega muito pouca mão de obra do ponto de vista orgânico. Ela tem muito mais empregados terceirizados. Atualmente, e esse dado não é oficial, há em torno de 200 empregados orgânicos. Ainda que gere esses empregos, os impactos e os prejuízos causados são muito maiores do que os benefícios trazidos. A cidade lucra com os tributos que a empresa paga, pois as jazidas que são exploradas atualmente ficam em Caetité. Nesse sentido, Lagoa Real sai perdendo porque possui diversas jazidas de urânio, mas nenhuma é explorada e não recebe qualquer tributo por isso. Lagoa Real sai perdendo duas vezes, pois possui um grande lençol freático que está sendo contaminado e utilizado pela exploração de urânio.
Quais são os principais efeitos negativos visíveis?
As casas dos que moram próximos à mina estão todas estragadas e quebradas em função do impacto dos dinamites para romper as rochas no intuito de retirar o urânio. Quando essas rochas são dinamitadas, liberam um gás chamado radônio que cai sobre as casas das pessoas, sobre os poços, e que acaba contaminando as águas. Por outro lado, a empresa continua dizendo que isso acontece em função da radiatividade natural. Não existe, porém, um estudo comprovando essa tese. De qualquer forma, natural ou por mineração, passando o limite permitido determinado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, a população não pode consumir essa água.
Falta comunicação e transparência por parte da empresa. Ela se coloca numa posição de quem não precisa dar satisfações à população local. A terra das pessoas que vivem no entorno da mina perdeu seu valor. Assim, ninguém quer investir na região. Mais de 30 famílias da comunidade de Mineira querem ser realocadas. Essas pessoas só querem um pedaço de terra para viver com dignidade. As comunidades vivem o dilema de não saber a qualidade da água que estão consumindo, nem se seus produtos que produzem estão ou não contaminados por material radiativo. Não existe nenhum estudo sobre a saúde da população, assim como não existe o cumprimento das condicionantes determinadas pelo Ibama.
No ano passado, depois de muita crítica e luta, a empresa contratou alguns pesquisadores para fazer um estudo. No entanto, esse não passou de cruzamento dos dados da Secretaria do Estado e do Município. Ou seja, o resultado se deu com um controle ideológico. Não levaram em consideração que quase 40% dos óbitos de Caetité são por causas não identificadas. Além disso, várias pessoas que estão com câncer vão a São Paulo ou a Belo Horizonte fazer tratamento e acabam morrendo por lá. Uma vez que essas pessoas morrem fora do estado, as mortes não são contabilizadas como de Caetité. É por esses e por outros motivos que nós queremos que a população que vive num raio de 20 quilômetros em torno da mina seja periodicamente examinada e acompanhada.
Quais são as lições que ficam depois da mobilização das populações de Caetité-BA contra o urânio e seu lixo atômico?
Primeiro, ficará a lição para a empresa. Ela não pode continuar agindo como antes, em sigilo, subestimando a população, sem fornecer informações claras.
Segundo, a população mostrou que quer tomar as rédeas da situação e, portanto, quer participar, quer ter voz para dizer e ser ouvida que não aceita mais esse tipo de coisa.
Terceiro, esse fato será considerado um marco simbólico histórico da população de Caetité. Neste país, pela primeira vez, uma população para um comboio com material radiativo e coloca em pauta a discussão sobre a energia nuclear no país.
O senhor coordena a Comissão Paroquial do Meio Ambiente de Caetité. Como funciona essa Comissão? O que ela promove?
A Comissão foi criada em abril de 2008. Além da mina de urânio já explorada há mais de 10 anos, Caetité possui outros minérios. Tudo indica que, no próximo ano, começará uma nova onda de exploração do ferro por uma empresa chamada Bahia Mineração que já se instalou no outro lado do município. Essa empresa tem capital do Cazaquistão [2], mas pertence aos Estados Unidos porque quem manda neste país asiático são os estadunidenses.
Essa nova empresa já tem licença do órgão regulador para começar uma mina de ferro. Para isso, ela vai abrir um buraco de 400 metros de profundidade e baixar o lençol freático em 300 metros. A Comissão foi criada, portanto, para poder assessorar as comunidades e para tentar compreender, refletir, estudar e aprofundar esse tema na região. Temos contato com várias assessorias, tais como: Comissão Pastoral da Terra e Movimento Paulo Jackson. Nossa missão é acompanhar a questão dos direitos humanos negados nesse processo de mineração e fortalecer as organizações populares para defendê-los.
Notas:
[1] Lixiviação é o processo de extração de uma substância presente em componentes sólidos através da sua dissolução num líquido. É um termo utilizado em vários campos da ciência, tal como a geologia, ciências do solo, metalurgia e química. O termo original refere-se à ação solubilizadora de água misturada com cinzas dissolvidas (lixívia) constituindo uma solução alcalina eficaz na limpeza de objetos. Em geoquímica ou geologia, usa-se para indicar qualquer processo de extração ou solubilização seletiva de constituintes químicos de uma rocha, mineral, depósito sedimentar, solo, etc.. pela ação de um fluido percolante.
[2] O Cazaquistão é um país fundamentalmente asiático, embora também inclua uma região relativamente pequena que, geograficamente, pertencente à Europa. Limita-se a norte e oeste com a Rússia, a leste com a China, a sul com o Quirguistão, o Uzbequistão e Turcomenistão e a oeste com o mar Cáspio.
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