Tudo começou no dia 24 de março de 2006, na ocupação do prédio abandonado da Farmácia-Escola da UFBA. Estudantes de diversos cursos pleitearam vagas nas Residências Universitárias e não foram felizes em seu pedido. Na época, aquela era a segunda turma a entrar pelo Programa de Cotas e a Universidade não dera alternativa de moradia para as mais de 100 pessoas que ficaram de fora da lista para ir morar na R1, R2 e R3, que eram as Residências Universitárias da UFBA então existentes. O lema da gestão da Reitoria era “Compromisso Social”, só que na prática não existia esse compromisso e os estudantes bradavam “Cotas com permanência”. Mas a administração central respondeu à ocupação dizendo não era responsável pelos estudantes que ficaram sem vagas. Com isso os estudantes se viram num dilema: desistir do sonho de estudar na UFBA ou lutar pelos seus direitos e permanecer. E foi assim que respondemos: ocupamos e resistimos mais de oito meses no prédio da Farmácia-Escola, dormindo em colchonetes no chão de quartos apertados, com precária estrutura de banheiros (todo dia tinha fila para tomar banho) e tudo isso tendo ainda que engolir o feijão infestado de “gorgulhos” que era servido no Restaurante Universitário da Vitória.
A UFBA não estava preparada para receber os estudantes “tipo novo” (negro, de escola pública, com baixa-renda, vindo do interior ou da periferia) que agora ingressavam pelas Cotas. Mas esses estudantes eram diferentes – mais questionadores e impetuosos –, não se calaram e foram capazes de transformar unidade em ação e conseguiram “inverter a roda”. Através de mobilizações massivas, pressão na reitoria e sensibilização da comunidade acadêmica pela causa conseguimos no CONSUNI – Conselho Universitário – a criação da nova Residência Universitária da UFBA, a R5 (a ser construída na Av. Garibaldi). A Reitoria passou então a ser a nossa quarta residência a R4, palco de nossas mobilizações e nossa “Casa” sempre que as outras Residências se encontram com problemas. A R5 é hoje um novo modelo de Moradia Estudantil, com estrutura planejada e não simplesmente adaptada como nas casas herdadas de outras épocas. A R5, para nós estudantes que participamos daquele histórico momento, é um sonho concretizado. Pudemos, para além de nossas idealizações, acompanhar sua edificação enquanto nós mesmos nos construíamos. Essa conquista, além de prática, foi muito importante para reforçar a idéia de que sem organização e sem esforço conjunto não há “ganho de causa”, e serviu ainda para desmascarar aqueles que diziam que o Movimento Estudantil não servia para nada.
Durante todo este processo de mobilização, iniciamos um profundo debate acerca das condições de Assistência Estudantil então existentes na UFBA. A Universidade encontrava-se em condições precárias para prover assistência aos seus mais de 25 mil estudantes. Fato claramente espelhado pela diminuta estrutura da Superintendência Estudantil (órgão que respondia pela assistência estudantil à época), com seu orçamento quase inexistente e seu reduzido corpo profissional (poucas assistentes sociais, apenas uma pedagoga e nenhum psicólogo). Diante da conjuntura lançamos a proposta de implantação da Pró-reitoria de Assistência Estudantil, almejando que esse novo órgão tivesse o respaldo político, administrativo, orçamentário e técnico para acompanhar com planejamento todo o processo de mudança que vinha ocorrendo na UFBA. Depois de lançada a reivindicação, o processo de amadurecimento necessário para a criação da PROAE se deu na ocupação do SSOA (Serviço de Seleção e Orientação Acadêmica), quando o Movimento Estudantil usou a possibilidade de inviabilização do vestibular como forma de pressão. Mais uma vez, saímos vitoriosos e conseguimos a criação da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (PROAE) no CONSUNI, e ainda com o sentimento de que agora a Assistência Estudantil seria encarada com maior responsabilidade e organização pela Reitoria.
Nos anos de 2007 e 2008 o Movimento Estudantil geral da UFBA passou por altas e baixas de organização. Tivemos nesse período a proposta dos Bacharelados Interdisciplinares e do REUNI (Projeto de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). O ME se colocou contrário a adesão da UFBA ao REUNI por acreditar que apenas 20% do aumento de verbas não seriam suficientes para garantir com qualidade o crescimento exigido pelo projeto. Assim, após decisão da Assembléia Geral dos Estudantes, ocupou-se por mais de 30 dias o palácio da Reitoria. Porém, a divisão do ME e setores oportunistas e desconstrutores como o MORU (Movimento de Ocupação da Reitoria da UFBA) fizeram a ocupação desmoronar, devido à falta de objetividade política e descompromisso com as pautas. Nesses anos, o ME geral não galgou nenhuma conquista relevante, e o pouco que se conseguiu com o REUNI para Assistência Estudantil foram recursos para compra de alimentos para o RU Ondina e o indicativo de construção de uma nova Residência Universitária ao qual não possui nem projeto pronto.
Em 2009, intensificamos através do Fórum de Assistência Estudantil o debate de uma pauta antiga de reivindicação do ME, o Restaurante Universitário. Fechado há mais de 20 anos, o RU Ondina ou “Elefante amarelo”, teve sua abertura embargada por conta de um processo jurídico na Justiça, enquanto a Reitoria na figura do vice-reitor José Mesquita, dizia-nos que o processo estava em andamento e que o Restaurante logo seria aberto. Em parceria com o DCE, a Representação das Residências Universitárias decidiu intervir ativamente e verificou que o processo encontrava-se na 7ª Vara de Justiça no bairro de Sussuarana e que o juiz responsável era professor da faculdade de direito da UFBA. Assim, depois de algumas audiências com o Juiz e reuniões exaustivas com a Reitoria, conseguimos “destravar” o processo, o que possibilitou a realização de uma nova licitação para contratar uma empresa para iniciar a produção das refeições. Apesar de defendermos a gestão 100% pública do RU, nós todos sabemos da importância que o RU tem diariamente para os estudantes, e seria uma irresponsabilidade nossa deixar o RU fechado. De modo que sua abertura através de gestão mista foi considerada uma das maiores vitórias de nossa geração. Preferimos garantir a abertura imediata e optamos por disputar internamente, nos espaços deliberativos, a melhoria dos serviços, a diminuição do preço sem diminuição da qualidade, além da necessidade de ampliação da produção de refeições e da implantação de pontos de distribuição pelos campi da Universidade. Cabe agora ao ME cobrar da administração central que essas pautas sejam aprovadas.
Em 2010, ao introduzirmos a proposta de 15% do Orçamento bruto da UFBA para Assistência Estudantil casada com o debate de orçamento universitário participativo lançamos “divisores de águas” no Movimento estudantil. A discussão do orçamento participativo como forma de controle social até então só existia na esfera de gestão de prefeituras. Para administração central da UFBA, os estudantes eram considerados incapazes de fazer o debate técnico e político sobre a condução dos rumos da Universidade, mas nós, de forma organizada, ocupamos os espaços institucionais e não ficamos apenas nas palavras-de-ordem. E, apesar de não termos ainda obtido os “15%” e do financiamento (rubrica específica) continuar a ser o centro dos debates, abrimos uma discussão importantíssima e fundamental sobre a necessidade da PROAE ter orçamento fixo e próprio, independente de arrecadações da UFBA ou emendas parlamentares. Além disso, não deixamos de fazer os debates sobre o aumento do número, do valor e pelo fim da contra-partida (conforme estabelece a LOAS) das bolsas de permanência, por melhores condições nas Residências e na Creche, mais segurança, mais livros nas bibliotecas, melhor estrutura para os novos cursos e cursos noturnos, entre outros pontos.
Por fim, em 2011, já alguns de nós tendo concluído a graduação, deixamos a Universidade Federal da Bahia com o sentimento de satisfação por tantas vitórias. Tivemos a sorte de estar “na hora certa, no lugar certo”. Contamos com a conjuntura do Governo Lula onde, por exemplo, os recursos para o Ensino Superior passaram de 17 bi para 65 bilhões, dando outros horizontes às Universidades Públicas. Porém, conscientes de nossa responsabilidade não esperamos, fomos à luta e conquistamos nossas pautas. E durante esses últimos cinco anos os estudantes da UFBA passaram, pelo menos em alguns momentos, a serem considerados prioridade. Hoje as Residências Universitárias 1 e 2 encontram-se reformadas, assim como a Creche e o RU Vitória; foi criado o Projeto Permanecer (para distribuição de bolsas de permanência), houve a criação e ampliação da bolsa de auxílio-moradia, a manutenção do SMURB, dentre outras conquistas. Enfim, é sempre preciso registrar: nada disso fora benesse da administração e sim fruto das lutas e disputas políticas do ME como um todo. Assim, essa geração que se despede deixa votos de que esse novo período seja também repleto de conquistas, e que nossos erros e acertos possam servir de aprendizado aos que agora iniciam sua jornada. Há braços de lutas companheiros!
[1] Frederico Perez é estudante de Enfermagem, ex-diretor de Assistência Estudantil DCE UFBA
[2] Ítalo Mazoni é graduado em Psicologia e ex-morador da R5-UFBA
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