Ao completar 73 anos da morte de Trotsky divulgamos um texto do
camarada Rob Sewell escrito no ano passado lembrando os 72 anos de sua
morte. Abaixo também publicamos trechos do testamento deste grande
revolucionário.
O homem e suas ideias
O
dia 20 de Agosto marcou o aniversário do assassinato de Leon Trotsky.
Há 72 anos, ele foi covardemente golpeado na cabeça por uma picareta que
levava nas mãos o assassino estalinista. Trotsky logo entrou em coma e
morreu no dia seguinte, 21 de Agosto de 1940.
O
ataque não foi surpresa. Desde que Trotsky chegou ao México a imprensa
estalinista estava ocupada em caluniar o Velho preparando o terreno para
um ataque assassino. Ao mesmo tempo, Moscou travava uma campanha
internacional massiva contra ele, infiltrando o movimento e, sob as
ordens de Stalin, preparando sua morte.
Seguindo
o fim da Guerra Civil Espanhola, os agentes estalinistas da NKVD foram
despachados para o México para executar o plano. O primeiro assalto
ocorreu em Maio de 1940, quando o quarto de Trotsky foi atacado a tiros e
Robert Sheldon Harte, seu secretário de sua segurança, foi sequestrado e
morto. O corpo de Sheldon foi descoberto depois em um poço de cal.
Stalin ficou desesperado em seus esforços para eliminar Trotsky, um dos
poucos velhos bolcheviques ainda vivos – o resto tinha sido assassinado
por Stalin durante os Processos de Expurgos de 1936-38. Estes horrorosos
processos, onde os réus eram forçados a envolverem-se em mentiras e
crimes terroristas supostamente organizados por Trotsky, constituíram um
rio de sangue, diferenciando o estalinismo contrarrevolucionário do
genuíno Bolchevismo.
Stalin
sabia que tendo traído a Revolução ele precisava eliminar aqueles que a
defendiam e personificavam as ideias do Bolchevismo e da revolução
mundial. Primeiro de tudo, isso recaiu sob Leon Trotsky, que tinha sido
expulso para um exílio há cerca de onze anos atrás. Todos os recursos do
estado Russo eram agora postos à disposição para executar seu
assassinato. Muito antes, Stalin tinha assassinado vários colaboradores e
amigos de Trotsky, sete de seus secretários e quatro de seus filhos – o
ultimo deles, Leon Sedov, no início de 1938.
Trotsky
foi um revolucionário e teórico excelente. No início de 1904, ele expôs
a teoria da Revolução Permanente, que foi confirmada na prática pela
Revolução de Outubro. Trotsky passou toda a sua vida no movimento
revolucionário, liderou o Conselho Operário de Petrogrado em 1905,
liderou com Lênin a Revolução de Outubro de 1917, criou o Exército
Vermelho a partir da estaca zero, ajudou a construir a Terceira
Internacional, e então, lutando contra a burocracia estalinista, foi
cortado do poder e forçado a exilar-se por Stalin.
De
Alma Ata, enquanto outros se renderam a Stalin, ele tomou a frente da
luta e construiu a Internacional de Oposição de Esquerda em defesa do
Marxismo genuíno. Ele analisou o governo de Stalin como uma forma de
Bonapartismo, mas baseado na economia nacionalizada e planejada. O
estalinismo era uma reação Thermidoriana que surgiu do isolamento da
Revolução Russa, um país atrasado, resultando em um crescimento massivo
da burocracia no partido e no Estado. Stalin foi a cabeça da reação
política à Revolução de Outubro, procurou pisotear a sua real herança ao
buscar a ideia antimarxista do “Socialismo em Um Só País”.
A
luta entre a Internacional de Oposição de Esquerda e o Estalinismo foi
uma luta à morte; no sentido mais literal da expressão. Durante os
Expurgos dos anos 30, 18 milhões foram presos sob falsas acusações
(“inimigos do povo”) e mandados para campos de trabalho forçados em
ambientes extremos e hostis, nos quais cerca de cinco milhões pereceram
de fome, doenças ou pelo pelotão de fuzilamento. Depois de 2 anos do
Sétimo Congresso do Partido em 1934, dos 139 membros eleitos para o
comitê central, 110 tinham sido presos. O Exército Vermelho foi
dizimado: 13 dos 19 comandantes dos corpos armados, 110 dos 135
comandantes de divisões e brigadas, metade dos comandantes de regimento e
a maioria dos comissários político foram executados. Em 1938, o Partido
Comunista Polonês foi oficialmente dissolvido sob o pretexto de que era
um disfarce para a contraespionagem!
“Nosso
velho camarada do Partido Polonês, Schwarzbart, um dos secretários dos
distritos autônomo judaico, foi diante dos promotores públicos”, lembrou
Leopold Trepper, o ex-líder dos Comunistas que trabalhava pelas costas
dos inimigos (a “Orquestra Vermelha”). “Ele foi jogado na prisão, onde
ficou quase cego. Uma manhã, ainda madrugada, ele foi levado para o
quintal diante do pelotão de fuzilamento. Antes dele morrer, ele gritou
por sua fé na revolução, e assim que as balas derrubaram este militante
comunista na poeira, das células que restaram surgiram as poderosas
raízes da Internationale”.
Trepper
disse que “todos aqueles que não se levantaram contra a máquina
estalinista são responsáveis, coletivamente responsáveis. Eu não sou
exceção desse veredito”.
No
entanto, ele continua: “Mas quem protestou a tempo? Quem levantou sua
voz em indignação? Os Trotskistas podem reivindicar esta honra. Seguindo
o exemplo de seu líder, que foi recompensado por sua obstinação com a
ponta da picareta, eles lutaram contra o estalinismo até o final, e eles
foram os únicos que o fizeram. No momento do Grande Expurgo, eles
puderam apenas gritar sua revolta nas terras longínquas e congeladas
para onde foram arrastados para serem exterminados. Nos campos, suas
condutas foram admiráveis. Mas suas vozes foram perdidas nas tundras.
(ndt: O termo Tundra deriva da palavra finlandesa Tunturia, que
significa planície sem árvores. A região mais fria da Sibéria).
“Hoje.
os Trotskistas têm o direito de acusar aquele que uma vez uivou junto
com os lobos. Não os deixem esquecer, no entanto, que eles tinham uma
vantagem enorme sobre nós, o de ter um sistema político coerente capaz
de substituir o estalinismo. Eles tinham algo para se agarrar diante da
profunda angústia ao ver a Revolução traída. Eles não “confessaram”,
eles sabiam que suas confissões não serviriam nem ao partido nem ao
socialismo.” (O Grande Jogo, pp.55-56).
Como
Trotsky explicou em Janeiro de 1937, com o anúncio de novos julgamentos
de Radek, Pyatakov e outros: “Como poderiam estes Velhos Bolcheviques,
que foram enviados às prisões e exílios do Csarismo, que foram os heróis
da guerra civil, os líderes da indústria, os construtores do partido,
diplomatas, se tornarem no momento da “completa vitória do socialismo”
sabotadores, aliados do fascismo, organizadores da espionagem, agentes
da restauração capitalista? Quem pode acreditar em tais acusações? Como
alguém pode tê-los convencido? E por que o estalinismo é compelido a
amarrar o destino de suas regras pessoais neste monstruoso, impossível,
pesadelo de julgamentos judiciais”?
“Primeiro
de tudo, eu devo dizer a conclusão que cheguei anteriormente: que os
cabeças dos governantes se sentiriam mais e mais instáveis. O grau de
repressão é sempre proporcional à magnitude do perigo. A onipotência da
burocracia soviética, seus privilégios, seus modos de vida luxuosos, não
estão revestidos por nenhuma tradição, nenhuma ideologia, nenhuma forma
legal. A burocracia soviética é a casta de oportunistas trêmulos, pelo
seu poder, por seus rendimentos, morrendo de medo das massas, e prontos
para punir a ferro e fogo não apenas cada tentativa sobre seus direitos
mas até mesmo a menor dúvida de sua infalibilidade. Stalin é a
personificação destes sentimentos e ânimos da casta governante: é aí que
reside sua força e fraqueza.” (Escritos, 1936-37, p.121)
Ele passou a descrever as armações de Moscou como “o maior crime político de nossa época e, talvez, de todas as épocas”.
No
México, em 1937, uma Comissão de Inquérito Internacional independente
foi estabelecida para examinar os Julgamentos de Moscou. Este inquérito
analisou todos os documentos, alegações e evidências, incluindo aqueles
de Trotsky. Após um exame rigoroso dos fatos, a Comissão declarou que os
Julgamentos de Moscou foram uma armação e que Trotsky e seu filho eram
inocentes das acusações feitas contra eles.
Trotsky
foi enviado de um país a outro, onde os governos fechavam suas portas
para ele. Apenas no republicano México ele encontrou refúgio, mas foi
rodeado de agentes hostis, treinados para cumprir as ordens de Stalin.
Do México Trotsky trabalhou continuamente para reconstruir as forças do
marxismo genuíno. Desde este país ele levantou as bases da nova
Internacional.
Em
Agosto de 1936, após completar sua brilhante análise do estalinismo em
“A Revolução Traída”, e mostrar a armação dos julgamentos de Zinoviev e
Kamenev, Trotsky escreveu o seguinte sobre a necessidade de preservar
nossa herança:
“Épocas
reacionárias como a nossa própria não apenas desintegram e enfraquecem a
classe trabalhadora e sua vanguarda, mas também rebaixa o nível
ideológico geral do movimento e atrasa o pensamento político a estágios
há muito tempo já superados. Nestas condições, a tarefa da vanguarda é,
mais que tudo, não se deixar levar pela onda reacionária: deve-se nadar
contra a corrente. Se uma relação de forças desfavorável impede de
manter uma posição que foi vitoriosa, deve-se ao menos manter suas
posições ideológicas, porque nelas está expressa a cara experiência
adquirida no passado. Os tolos considerarão esta política “sectária”.
Atualmente este é o único caminho de preparação para uma nova imensa
onda adiante que virá com a maré”.
“Grandes
derrotas políticas inevitavelmente provocam a reconsideração de
valores, geralmente ocorrendo em duas direções. Por um lado a verdadeira
vanguarda, enriquecida pela experiência da derrota, defende com unhas e
dentes as heranças do pensamento revolucionário e nesta base tenta
educar novos quadros para as lutas de massas que virão. Por outro lado,
os rotineiros, centristas e diletantes, amedrontados pela derrota, fazem
o melhor para destruir a autoridade da tradição revolucionária e andar
para trás em sua busca por um 'Novo Mundo'.” (Trotsky, Estalinismo e
Bolchevismo)
A
luta de Trotsky foi claramente uma defesa de nossa herança
revolucionária. Lutando contra a maré, ele conscientemente educou e
preparou novos quadros para a revolução futura. Todo seu tempo e energia
foram devotados para este objetivo fundamental.
Com
a completa degeneração da Segunda Internacional reformista e o
Comintern estalinista, a questão da construção de uma nova
internacional, sob dificuldade extrema, era fundamental. Para Trotsky,
era uma corrida contra o tempo.
Em
seu Diário do Exilo, escrito em 1935, ele explicou: “E eu ainda penso
que o trabalho que estou envolvido agora, apesar da natureza
extremamente insuficiente e fragmentária, é o trabalho mais importante
da minha vida – mais importante do que 1917, mais importante do que o
período de Guerra Civil ou qualquer outro...
Assim,
não posso falar da 'indispensabilidade' de meu trabalho, mesmo sobre o
período de 1917 a 1921. Mas agora meu trabalho é 'indispensável' no
sentido mais amplo da palavra. Não há nenhuma arrogância nesta alegação.
O colapso das duas Internacionais colocou um problema que nenhum dos
líderes destas Internacionais estão equipados para resolver. As
vicissitudes de meu destino pessoal me confrontaram com este problema e
me armaram com uma importante experiência em lidar com isso. Não há
agora ninguém, exceto eu mesmo, para levar adiante a missão de armar uma
nova geração com métodos revolucionários sobre a cabeça dos líderes da
Segunda e Terceira Internacional. E estou completamente de acordo com
Lênin (ou melhor, Turgenev: que o pior vício é ter mais de 55 anos de
idade! Preciso ao menos de 5 anos mais de trabalho ininterrupto para
garantir o sucesso.”
Trotsky
tinha apenas cinco anos a mais de vida antes de seu assassinato. Ele
estava inteiramente ciente das intenções de Stalin de eliminá-lo. Stalin
arrependeu-se muito da decisão de deportá-lo para longe de seu alcance.
Estes últimos anos foram repletos de artigos, cartas e conselhos para
as forças jovens Trotskistas, assim como a fundação da Quarta
Internacional. Estes foram os anos mais ricos como podem ser vistos em
seus valiosos escritos.
Seguindo
a trágica morte de Trotsky, a Quarta Internacional foi destruída pela
liderança inadequada, que cometeu um erro após o outro e foi consumida
por uma política de prestígio. Assim como Marx, Trotsky semeou dragões,
mas colheu pulgas. No entanto, a tarefa permanece: a de construir o
movimento que foi levantado pela Corrente Marxista Internacional.
Baseados nas ideias reais de Trotsky e dos grandes marxistas, vamos
terminar esta tarefa, o legado do Velho.
Nesta
ocasião do aniversário do assassinato de Trotsky, renovamos nossa fé na
classe trabalhadora mundial e nas ideias revolucionárias do marxismo. A
revolução mundial está agora de volta na agenda. Estamos orgulhosos de
termos sobre nossos ombros gigantescas tarefas. Repetimos as palavras da
parte final do testamento de Trotsky:
“Eu
posso ver a grama verde e brilhante pelo vidro, o céu azul e claro
acima do muro, e a luz do sol irradiando todo o lugar. A vida é bela.
Deixemos que as próximas gerações livrem-na de todo a mal, opressão e
violência, para que todos dela possam desfrutar.”
O Testamento de Leon Trotsky
Em
1940, Trotsky apresentava problemas graves de saúde. O esforço de toda
uma vida dedicada à revolução, cobrava seu preço. Acreditava que a morte
estava próxima, quer pelo agravamento de sua doença, quer, como
ocorreu, na mão de um agente a mando de Stalin. Neste contexto, escreveu
o seu famoso Testamento em que a reafirmação decidida e vigorosa dos
princípios do marxismo, cede, em dado momento, à doçura com que
contempla Natália, sua companheira de mais de quarenta anos,
entreabrindo a janela do quarto. O parágrafo final torna-se, então, um
hino de amor à vida e à esperança.
"Minha
pressão sanguínea elevada (e que continua a elevar-se) engana àqueles
que me são próximos sobre minhas reais condições físicas. Estou ativo e
capaz de trabalhar, mas o fim está evidentemente próximo. Estas linhas
serão tornadas públicas após minha morte.
Não
preciso mais uma vez refutar aqui a calúnia vil de Stalin e seus
agentes: não há uma só mancha sobre minha honra revolucionária. Não
entrei, nem direta nem indiretamente, em nenhum acordo, ou mesmo em
nenhuma negociação de bastidores, com os inimigos da classe operária.
Milhares de adversários de Stálin tombaram, vítimas de falsas acusações.
As novas gerações revolucionárias reabilitarão sua honra política e
tratarão seus carrascos do Kremlim como eles merecem.
Agradeço
ardentemente aos amigos que se mantiveram leais através das horas mais
difíceis de minha vida. Não cito nenhum em particular, porque não os
posso citar todos.
Apesar
disso, considero-me no direito de fazer exceção para o caso de minha
companheira, Natália Ivanovna Sedova. Além da felicidade de ser um
combatente da causa do socialismo, quis a sorte me reservar a felicidade
de ser seu esposo. Durante quarenta anos de vida comum, ela permaneceu
uma fonte inesgotável de amor, magnanimidade e ternura. Sofreu grandes
dores, principalmente no último período de nossas vidas. Encontro algum
conforto no fato de que ela conheceu também dias de felicidade.
Nos
quarenta e três anos de minha vida consciente, permaneci um
revolucionário; durante quarenta e dois destes, combati sob a bandeira
do marxismo. Se tivesse que recomeçar, procuraria evidentemente evitar
este ou aquele erro, mas o curso principal de minha vida permaneceria
imutável. Morro revolucionário proletário, marxista, partidário do
materialismo dialético e, por conseqüência, ateu irredutível. Minha fé
no futuro comunista da humanidade não é menos ardente; em verdade, ela é
hoje mais firme do que o foi nos dias de minha juventude.
Natascha
acabou de chegar pelo pátio até a janela e abriu-a completamente para
que o ar possa entrar mais livremente em meu quarto. Posso ver a larga
faixa de verde sob o muro, sobre ele o claro céu azul, e por todos os
lados, a luz solar. A vida é bela, que as gerações futuras a limpem de
todo ó mal, de toda opressão, de toda violência e possam gozá--lá
plenamente."
Leon Trotsky
Coyoacán, 27 de fevereiro de 1940.
Post Scriptum
Diante
da natureza de minha doença (pressão sanguínea elevada e em constante
elevação), parece-me que o fim chegará de repente e, provavelmente - é
ainda uma hipótese pessoal -, por uma hemorragia cerebral. É o melhor
dos fins que eu poderia desejar. É possível, entretanto, que eu me
engane (não tenho a menor vontade de ler livros especializados, e os
médicos naturalmente não me dirão a verdade). Se a esclerose tiver que
assumir um caráter prolongado e eu for ameaçado de uma longa invalidez
(neste momento, pelo contrário , sinto até uma intensa energia
espiritual devida ao subir da pressão, mas isso não durará muito),
reservo-me o direito de determinar por mim mesmo o momento de minha
morte. O "suicídio" (se é esse o termo apropriado) não será, de maneira
alguma, a expressão de uma explosão de desespero. Natascha e eu já nos
dissemos mais de uma vez que, se chegados a uma tal condição física,
preferiremos encurtar a própria vida, ou mais exatamente, o longo
processo da agonia. Mas, sejam quais forem as condições de minha morte,
morrerei com uma fé inquebrantável no futuro comunista. Esta fé no homem
e em seu futuro dá-me, mesmo agora, uma tal força de resistência como
religião alguma poderia me fornecer.
Leon Trotsky
3 de março de 1940.
Fonte: http://marxismo.org.br
POR FAVOR, O ESTOPIM, ME PERDOEM.
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