Fonte: Do Blog do Weden no Brasilianas
Por Weden
Eis que ninguém ousou perguntar nos grandes jornais, nas TVs por assinatura, nos blogs ultraconservadores: "Por que os brasileiros não se indignam...como a juventude inglesa?"
Logo quando surgiu o Movimento 15 de Maio, a imprensa espanhola demonstrou desprezo e desconfiança em relação aos meninos da Plaza Puerto del Sol.
Mais do que as palavras, os atos daquela juventude eram vistos como um discurso temeroso. Afinal, desconfiava-se que viria com a mesma febre, o mesmo calor e a mesma ardência dos protestos gregos, e de antigas barricadas francesas.
Mas não. Fora alguns contratempos, tensões esporádicas, alguns excessos, aqueles que bradaram "contra tudo que esta aí" faziam um movimento absolutamente pacífico, civilizado, diria mesmo, "domesticável" pelos gestos de interpretação logo lançados por jornais como El Pais e outras oligarquias midiáticas.
Mais do que isso: sem que fosse a intenção dos "indignados" espanhóis, o movimento acabou ajudando, pelo clima de "oposição", a vitória da direita nas últimas eleições regionais.
O movimento, além de não causar grandes temores, ainda ajudou a se fortalecerem no poder os conservadores, os partidários do neoliberalismo, das receitas do FMI - e, portanto, dos arrochos, da recessão, do desemprego - do preconceito contra os imigrantes, e dos apoios estabanados a guerras alheias.
Mesmo tenso em certas situações, o M-15 foi bem capitalizado pela direita espanhola, apoiada pela grande mídia, a partir do "expurgo" de alguns temas incômodos levantados pelos jovens.
Ganhos partidários, sem vidraças estilhaçadas, sem carros incendiados, sem feridos, sem mortos. Perfeito. Como não elogiar os bons meninos?
É dentro deste contexto que se pode compreender a aventura opinativa do jornalista Juan Arias, do El Pais, perguntando-se sobre o motivo de os brasileiros não se "indignarem"... como os espanhóis.
O artigo foi repetido, comentado, aclamado pela mídia brasileira, virou tema de debates em canais por assinatura, ganhou comentários em blogs ligados a portais ultraconservadores, e até editoriais na grande imprensa.
Indisfarçavelmente, a questão posta pela plateia de Arias era: "por que o povo não vai às ruas contra o Governo Dilma"?
O desprezo de Arias e dos seguidores brasileiros pelos temas fortes do M-15 era notório: os bons meninos protestam contra a corrupção, a falta de empregos, baixos salários, excesso de desigualdade, da repressão contra imigrantes.
Mas todas estas críticas à situação atual da Espanha, e da Europa, foram, nestas bandas, simplificadas como uma grande cruzada moralista.
E aí surgem os "maus" meninos
Há duas semanas, no entanto, outros indignados foram às ruas. Os "maus" meninos de Londres e outras cidades inglesas foram radicais: os seus protestos, barulhentos nos gestos, silenciosos nas palavras, eram contra o preconceito, contra a violência e humilhação, contra o desleixo em relação aos socialmente desprivilegiados, contra um modelo econômico que não mais se sustenta.
Não vou discutir se muitos caíram na farra da depredação, pelo simples desejo de partilhar do caos. Mas seria simplismo reduzir o todo à parte.
Nos discursos materializados em corpos raivosos e gestos de fúria, havia, possivelmente, muito daquilo que indigna os bons meninos de Madri.
Mas os "maus" meninos foram à raiz dos problemas: seu discurso foi febril, ardente. Voltou-se contra o capital, a propriedade privada, o mercado, os bens públicos, os símbolos da força e do poder.
Seu discurso de ruptura, seu desaforo, jamais poderia e poderá ser capitalizado pela imprensa local ou internacional, ou por qualquer partido.
No Brasil, evidentemente, a imprensa não se perguntou por que os brasileiros não se indignavam como os ingleses! Muito pelo contrário: o tratamento dado aos indignados britânicos foi bem outro: "Criminosos!", "Marginais!", "Vândalos!".
Não houve debates em canais fechados, nem comentários simpáticos em blogs de portais ultraconservadores. Pelo contrário: estes foram os que mais condenaram os “maus meninos”. Esse tipo de indignação, não capitalizável, não interessa.
Os "maus" meninos ingleses - mesmo sob desesperança e desamparo extremos - não mereceram editorais, nem tentativas de compreensão de nossa grande mídia.
Os meninos da Rainha não causaram inveja àqueles que gostariam que os brasileiros fossem às ruas protestar "contra tudo que está aí".
Pelo radicalismo, pela vocação à ruptura, dessa vez, ficaria realmente muito difícil, para alguns brasileiros, tirar proveito das misérias alheias.
E, vendo o que aconteceu em Londres, sei que muitos que os criticavam, finalmente, agradeceram aos brasileiros, porque não se indignam.
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