* Taísa Ferreira
As
reflexões desenvolvidas no bojo da militância e da vivência universitária me
suscitaram a escrever sobre os embates e resistências que permeiam a vivência
das mulheres na sociedade, neste sentido me proponho a trazer algumas
considerações sobre os enfrentamentos vividos a partir do entendimento de que
pertencer a um ou outro sexo diferencia atitudes, crenças e códigos numa
determinada sociedade.
A
sociedade ocidental é historicamente marcada pela intensa produção e reprodução
de hierarquias e desigualdades pautadas nas diferenças de gênero. A nossa
cultura produz e reproduz tradições que sustentam as diferenças, as
desigualdades e a determinação dos papeis sociais de homem e mulher nos mais
distintos espaços sociais, construindo limites ao que cabe a cada um (a) na
atuação frente o meio social.
Sabemos
que toda e qualquer desigualdade é construída culturalmente a partir das
expectativas que a sociedade institui para os sujeitos, todavia é também neste
espaço de disputa de poder, de discriminações, opressões, em que a mulher
corriqueiramente é inferiorizada, que a sua luta se fortalece.
Rago
(2003) analisando sobre o crescimento da participação das mulheres nas mais
diversas esferas da sociedade brasileira, fala sobre a ocupação dos espaços
públicos antes reservados apenas aos homens, alertando que tal crescimento
deve-se especialmente ao surgimento a nível mundial do movimento feminista, o
qual se constituiu como uma demarcação na história das mulheres que assinalou
significativas rupturas com o passado.
Almeida
(2010) aponta que:
O movimento feminista e as campanhas
pelos direitos da mulher, sobretudo, a partir da segunda metade do século XX,
com o movimento das sufragistas que reivindicavam o direito ao voto, se
configuraram em marcos importantes e norteadores das lutas políticas voltadas
para a mulher e as relações de gênero, contribuiu para mudar a situação da
mulher na sociedade, tentando eliminar as discriminações a que ela está
sujeita. Surgiu justamente da luta por uma educação voltada para o público e
não para o privado (doméstico), com maiores oportunidades de acesso, ampliação
do mercado de trabalho, salários e direitos trabalhistas iguais aos dos homens
e maior proteção à maternidade. (p.02 - 03).
O
movimento feminista e sua luta contra a opressão machista, os códigos da
sexualidade feminina e dos modelos de comportamento impostos pela sociedade se
desenvolveram no Brasil em um cenário de tensão, efervescido pela ditadura
militar, se constituiu em um contexto entre a crise e a construção de novos
modelos de subjetividade e logrou uma reformulação na feitura e investigação da
história, buscando lançar luz a participação das mulheres na vida em sociedade
e na protagonização de processos históricos.
Há
um grande avanço da conquista social da mulher no que diz respeito aos
direitos, todavia, há muito a ser mudado. A mulher vem conquistando
gradativamente seu espaço no mercado de trabalho, seu espaço no meio acadêmico,
na política, mas nossa cultura de modo geral ainda demarca como tarefa
essencialmente feminina os afazeres domésticos e a educação dos (as) filhos
(as) às mulheres, são apontadas como subalternas se comparada as masculinas,
como sinalizam Soihet, Soares e Costa (2000):
“as tarefas domésticas jamais são
mistas. Os gestos em torno da água, do fogo e do preparo dos alimentos são
gestos femininos que os homens não podem praticar sem desvalorização. (...)
Tomando-se, por exemplo, o caso da agricultura, a divisão técnica do trabalho
entre homens e mulheres (os homens lavram, semeiam; as mulheres colhem, tiram
as ervas daninhas) pode ser analisada em termos de complementaridade, caso
permaneça somente no nível técnico. Mas no momento em que a sociedade camponesa
codifica e valoriza diferentemente esta complementaridade técnica,
“lavrar-semear” são trabalhos nobres,enquanto “tirar ervas daninhas-colher” são
trabalhos subalternos. A complementaridade torna-se um princípio de
hierarquização dos papéis, e tem-se, na verdade, uma relação com uma
complementaridade de subordinação, ou “de oposição complementar”, que não apaga
as divergências e convergências de interesses, as desigualdades de direitos, as
relações contraditórias entre homem e mulher na relação do casal. (p. 06-07)
Percebemos
que ainda hoje as conquistas das mulheres estão em consolidação, pois o
pensamento androcêntrico e conservador são fortemente produzidos e reproduzidos
na nossa sociedade e consequentemente respaldadas pela nossa cultura
hegemônica, a desigualdade no mercado de trabalho através das diferenças
salariais e de oportunidades, o surto cada vez maior de violência contra
mulher, a dupla ou tripla jornada de trabalho e o acirramento de classes
imposto pelo imperialismo exercem forte pressão sobre as mulheres. Tal
perspectiva é endossada por Almeida (2010) que aponta:
Apesar das conquistas de direitos das
mulheres e sua participação nos espaços públicos, na primeira metade do século
XXI, são registrados altos índices de desigualdades entre homens e mulheres e a
perpetuação da violência contra mulher. (...) Esse contexto de modo geral,
acaba por afirmar e reafirmar a cultura da superioridade masculina sobre a
feminina e revelar que para a efetivação de políticas e práticas de gênero e a
emancipação da mulher é preciso enfrentar várias barreiras que marcam esse
cenário. (p. 03-04)
É
preciso, pois mudanças na mentalidade, na educação e na forma como a sociedade
culturalmente concebe os papéis sociais de gênero. Apesar da elaboração de
políticas públicas de saúde, educação, trabalho e renda, construídas no sentido
de garantir igualdade entre mulheres e homens, ainda assistimos cenas de
barbárie onde a mulher é apenas uma mercadoria humana – sendo vendida,
acorrentada, castigada e morta – assemelhando-se ao tratamento dado aos (as)
escravizados (as) na era do colonialismo.
O
que nos sugere que no cenário que se apresenta no século XXI, é preciso que o
aporte emancipatório seja expandido e que cada vez mais as mulheres, jovens,
meninas ou adultas vivenciem a independência feminina e a possam conquistar
verdadeiramente a equidade de direitos e oportunidades, essas conquistas e
reflexões precisam chegar a toda à mulher independente da posição financeira ou
acadêmica, é essencial que cada mulher tenha construída em si a consciência
sobre seu papel.
Direito
ao voto, direito a educação, direito a se manifestar publicamente, direito de
ir e vir, direito sobre seu corpo e sexualidade. A mulher deixou de ser
tutelada e vem logrando sua emancipação tem rompido as barreiras do machismo,
do sexismo, lutando por romper toda forma de dominação ao seu exercício de
cidadania.
Enquanto
mulher militante fazendo parte de uma sociedade em que até mesmo dentro do
movimento social é preciso fazer enfrentamentos rumo à desconstrução do
machismo e do sexismo, acredito claramente que ainda existam muitas coisas para
conquistar e consolidar, as mudanças até então alcançadas sinalizam
diferenciações nos hábitos e costumes da sociedade brasileira e a feminilização
da cultura ocidental, construindo novas formas de pensar e agir nos espaços
públicos e privados, tais mudanças transformaram e transformam e hão de
transformar o cotidiano e comportamento de toda sociedade partindo do
pressuposto de que toda mudança cultural reflete na mudança de atitudes.
Referências
ALMEIDA. Welita Gomes de. Gênero e deficiência: a exclusão social de mulheres deficientes.2010. IN: Anais do II Seminário Nacional Gênero e Práticas culturais. Disponível em:http://itaporanga.net/genero/gt4/13.pdf Acesso em 27.03.2012
RAGO, Margarete. Os feminismos no Brasil: dos anos de chumbo a sociedade globalizada. 2003. Disponível em:
http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys3/web/bras/marga1.htm Acesso em: 27.03.2012
SOIHET, Rachel; Soares, Rosana e Costa, Suely (trad). A História das mulheres. Cultura e poder das mulheres. Ensaio de Historiografia. Revista Gênero. NUTEG. – Vol.2, no.1 (2 sem.2000). Niterói:Eduff, 2000 pp.7-30. http://www.marilia.unesp.br/Home/Pesquisa/cultgen/Documentos/historia_das_mulheres_nuteg.pdf
SPM. Secretaria Especial de Políticas para mulheres. Gênero e Diversidade na Escola: formação de professoras/es em gênero, orientação sexual e relações étnico-raciais. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: SPM, 2009.
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