22 de maio de 2011

Notas sobre a ofensiva da direita no Brasil atual

*Muniz Ferreira




A tentativa de conversão do segundo turno das eleições presidenciais de 2010 em um plebiscito sobre a descriminalização do aborto, a campanha midiática de ataques ao Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) e as recentes declarações públicas de teor machista e sexista realizadas por um conhecido apologista da ditadura militar brasileira são manifestações de um fenômeno que vem se cristalizando entre nós: a emersão de forças conservadoras e retrógradas em luta pela direção política e cultural da sociedade. Este movimento vem imprimir organicidade à produção intermitente de um discurso midiático, que, na exploração e espetacularização do noticiário sobre catástrofes, corrupção, guerras e violência, dissemina um clima de temor e insegurança, fortalecendo, no imaginário social, a opção pelas soluções individualistas, autoritárias e conservadoras, na contramão do desenvolvimento da democracia participativa e do protagonismo dos movimentos sociais.



As anotações esquematicamente apresentadas a seguir indicam alguns elementos definidores da atividade atual das forças reacionárias em nosso país, as quais buscam conquistar posições estratégicas fundamentais no desenvolvimento da guerra de posições em curso na sociedade brasileira por uma hegemonia política e cultural prolongada.



I) A ofensiva atual de uma direita ideológica e orgânica no Brasil reitera uma tendência que tem se verificado no mundo desde o final da 1ª Guerra Mundial, a saber, a tentativa de apropriação, pela direita, de aspectos do pensamento e da ação das forças progressistas, imprimindo nelas um selo reacionário. No caso em questão, trata-se da construção de uma hegemonia neoconservadora na sociedade civil brasileira através do uso dos instrumentos de formação da opinião pública.



II) O primeiro exemplo desta mimetização foi o fascismo das décadas de 1920 e 1930, que combinou a celebração dos valores militaristas com uma “política social” corporativa e a exaltação da hierarquia com a mobilização de massas em torno dos chauvinismos nacional e/ou racial.



III) Na década de 1950, surgiu o neoconservadorismo estadunidense que combinou o individualismo com a defesa dos princípios e valores tradicionais; a economia de mercado com a mobilização das consciências contra os supostos riscos de enfraquecimento ou desintegração do establishment econômico, político e social em vigor naquele país.



IV) Nos anos 1970 e 1980, o neofascismo, em diferentes partes do mundo anglo-saxão e europeu em geral, realizou uma peculiar apropriação das formulações diferencialistas e identitárias típicas da chamada pós-modernidade, combinando a afirmação dos valores comunitários com a defesa do direito à diferença e da liberdade de expressão e manifestação de suas idéias, em nome de objetivos racistas, xenófobos e anti-imigratórios.



V) No Brasil atual, a direita ideológica e orgânica se propõe a fazer algo que as forças de esquerda e centro-esquerda integrantes do bloco político governamental desistiram de fazer: disputar a hegemonia política e cultural na sociedade. O efeito direto disto é a deflagração de uma ofensiva direitista no parlamento, na mídia e nos púlpitos e altares das igrejas, em defesa de posições conservadoras e retrógradas.



VI) O acirramento das contradições e dos conflitos é uma decorrência do próprio amadurecimento do capitalismo brasileiro em sua etapa monopolista e em processo de incorporação ao imperialismo mundial. Expressa, no plano das idéias e dos discursos, a centralidade dos conflitos de classe em nossa sociedade, assumindo com isto contornos estruturais.



VII) A direita ideológica em seu esforço de afirmação na sociedade arvora bandeiras que lhe permitam delimitar posições e disputar a opinião pública. Com o desgaste das fórmulas e proposições neoliberais, os temas de sua preferência passaram a ser aqueles capazes de reacender, no imaginário das massas, os componentes mais moralistas e conservadores anteriormente adormecidos ou desmobilizados pela influência das forças e dos processos progressistas na sociedade, na política e na cultura.



VIII) Esta direita ideológica e orgânica será uma força política e social minoritária enquanto seu discurso for veiculado apenas pelas falas de seus “intelectuais orgânicos”, escribas e peroradores ocupados em conquistar e unificar amplos setores das classes dirigentes em torno de suas impostações, mas pode converter-se em uma força política e social explosiva ao incorporar apresentadores de rádio e televisão de grande penetração popular, clérigos, religiosos fundamentalistas evangélicos e católicos integristas dotados de apelo de massas.



IX) A recusa das forças de esquerda que compõe o atual governo em disputar a hegemonia cultural e política na sociedade e seus sucessivos recuos em face das reações conservadoras facilitam o avanço da direita ideológica e orgânica e pavimentam o caminho para sua ascensão ao poder. Tal processo evidencia o logro da opção do lulo-petismo no sentido de neutralizar a oposição política empregando os instrumentos de cooptação e clientelismo disponibilizados pelo “presidencialismo de coalizão”. Foge à compreensão daquela esquerda que a eficácia de tais instrumentos só se verifica no trato com a direita fisiológica, ao passo que a direita orgânica e ideológica não aspira a nada menos do que o monopólio do exercício da representação e do poder.



Essas observações são apresentadas com a finalidade de convidar à reflexão todos aqueles que vislumbram um horizonte de avanços políticos e sociais como conseqüência de transformações progressistas e rejeitam a perspectiva de ingresso da sociedade brasileira em uma era marcada pelo atraso político, pelo obscurantismo cultural e pela regressão em relação aos direitos civis, políticos e sociais já conquistados ou ainda por conquistar.



*Muniz Ferreira é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Fonte: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=602

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