Por Rafael Damaceno¹
O Instituto de Ciências da Saúde resolveu implantar um moderno sistema digital de acesso, que todos para adentrar as dependências do ICS terão que estar cadastrados e ter sua digital registrada num sistema com sua foto inclusive. Parece que a intenção do Instituto é evitar que pessoas não “desejadas” entrem e possivelmente possam trazer conseqüências ruins como roubos e furtos, agressões, depredações etc. Entretanto fazendo isso, será que não se está além de discriminar quem não estuda na UFBA, impedir a comunidade a poder utilizar os espaços da Universidade como a biblioteca do ICS ou outras dependências? Será que com isso não estamos cada vez mais deixando a universidade numa bolha acadêmica acessível para poucos privilegiados?
O Conceito de público segundo o Aurélio seria “relativo ou destinado ao povo, à coletividade, ou ao governo dum país.[...] Que é de uso de todos”. Pois bem, podemos nos perguntar primeiramente se as Universidades Públicas Brasileiras são realmente públicas. Se formos seguir a risca este conceito supracitado, podemos afirmar certamente que todas as Instituições de Ensino Superior do Brasil não são públicas, afinal, não são de uso de todos, pois só de adentra para usufruir de seus espaços acadêmicos formais através de um instrumento de entrada que é são vestibulares. Estes socialmente representam um grande funil e assim um divisor ou discriminador social. Da forma como se estrutura a sociedade brasileira, apenas uma pequena parte da população tem acesso ao ensino superior. Esta parcela normalmente é a que tem um poder aquisitivo financeiro maior. Mesmo sabendo que existem diversos mecanismos de reparação social e histórica destas desigualdades como as cotas raciais e sociais, porém estes mecanismos estão ainda longe de mudar o perfil elitista das Universidades Públicas Brasileiras.
Portanto se as Universidades já não são formalmente públicas, pois uma grande parcela da população não tem acesso a ela, mesmo assim elas deveriam exercer uma função social de promover cientificamente, ética, politicamente e culturalmente a sociedade. Mas como fazer isso se além de não permitir uma entrada formal de uma grande parte da população que não tem a possibilidade de ter um curso de graduação superior, se, além disso, quer agora impedir de vez a entrada desta população social e historicamente excluída? Nós do DCE UFBA afirmamos que a postura não pode ser esta. A Universidade deve sim ser pública, ou seja, de uso de todos, e neste sentido mesmo que não garanta a entrada formal para os cursos superiores, ela minimamente não pode fechar seus espaços para esta população tão cruelmente excluída. As IFES não podem legitimar este processo discriminatório que vem sendo estabelecido.
A iniciativa do Instituto de Ciências da Saúde colocando um sistema tão caro de acesso digital é um reflexo desta legitimação da discriminação e do englobamento numa bolha acadêmica se distanciando da “sociedade real”. Nega totalmente um dos três pilares da universidade que é a extensão, pois se a universidade fecha suas portas para quem não está formalmente dentro dela, como vai querer fazer com que suas ações cheguem a sociedade se não permite que esta esteja dentro e participando conjuntamente das decisões? Aliás, sequer quer permitir que uma parcela excluída da população conviva com os outros estudantes e professores. Esta decisão política incoerente é reforçada também quando esta universidade estabelece o cercamento dos Camping da UFBA dizendo simbolicamente para a sociedade que precisa se fechar para garantir a segurança dos que nela vivem das pessoas perigosas da sociedade comum.
Sabemos que a violência é um grave problema estrutural da sociedade refletindo a crise moral e ética imposta pelo cruel modelo de produção capitalista, que por essência produz e reforça a desigualdade social. Entretanto nós da gestão “Primavera nos Dentes” do DCE UFBA acreditamos que não é excluindo a sociedade da universidade que iremos ajudar a resolver este grave problema estrutural da sociedade. Acreditamos que com estas atitudes iremos ainda mais reforçar esta distância entre universidade e sociedade. Se conseguíssemos criar espaços que pudessem trazer as comunidades vizinhas para dentro das dependências da UFBA como centros de convivência, praças de integração, praças esportivas dentre outros, será que esta população não vai criar minimamente um sentimento de pertencimento deste local lutando também pela sua preservação? Acreditamos que sim e que os caminhos deveriam ser neste sentido.
A discussão é ampla. Acreditamos que medidas como esta que tomou o Instituto de Ciências da Saúde deveriam ser mais discutidas por toda a Universidade e por que inserir comunidades vizinhas também nesta ampla e importante discussão. Acreditamos que a Universidade deve ser um instrumento de todo o povo e para o seu desenvolvimento e não uma bolha acadêmica que é vivenciada por poucos e consequentemente não exerce plenamente sua função social de desenvolvimento das sociedades brasileira como um todo. Assim convocamos todos (as) estudantes da UFBA a continuar a nossa incansável luta por uma Universidade PÚBLICA no sentido mais pleno e integral do termo.
1- Rafael é Diretor de Saúde do DCE da UFBa e militante do coletivo O Estopim!
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